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Como o tão procurado manuscrito da ‘Sinfonia nº 2’ de Rachmaninoff foi devolvido
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A Editora de Música Russa (EMR) está se preparando para lançar uma publicação acadêmica exclusiva – o manuscrito autógrafo da ‘Sinfonia nº 2’ do compositor russo Sergei Rachmaninoff. A cópia digital do manuscrito, que já era dada como perdida, foi entregue à editora pelo colecionador estadunidense Robin Lehman (Robert Owen Lehman Jr.). A busca por este documento raro vinha acontecendo há 20 anos.
O manuscrito desaparecido
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A ‘Sinfonia nº 2’ ocupa um lugar central na obra de Rachmaninoff. Escrita entre 1907 e 1908 em Dresden, na Alemanha, este trabalho marcou o retorno do compositor à criatividade após o fracasso de sua ‘Sinfonia nº 1’, que lhe infligiu um sério golpe emocional. Segundo as palavras do próprio Rachmaninoff:
“Depois desta [primeira] sinfonia, não compus nada por quase três anos. Eu estava como um homem que sofreu um derrame e, por um longo tempo, minha cabeça e minhas mãos ficaram paralisadas... Não mostrarei esta sinfonia a ninguém e até estipularei em meu testamento que ela não deve ser vista.”
A estreia da ‘Sinfonia nº 2’ ocorreu em 8 (21, conforme o calendário atual) de janeiro de 1908, no Teatro Mariínski, em São Petersburgo, conduzida pelo próprio compositor. A obra, enfim, lhe rendeu o sucesso tão esperado.
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No entanto, o manuscrito autógrafo original da ‘Sinfonia nº 2’ ficou perdido por décadas. Somente em 2004 apareceu inesperadamente em um leilão da Sotheby’s, atraindo grande interesse da comunidade musical.
Em geral, o arquivo de partituras de Rachmaninoff é considerado bem preservado – a maioria de suas obras sobreviveu até os dias de hoje como manuscritos autógrafos ou em edições vitalícias com correções feitas pelo compositor. Porém, devido à sua saída forçada do território russo em 1917, os documentos de Rachmaninoff acabaram espalhados por bibliotecas, museus, arquivos e coleções particulares na Rússia, Estados Unidos e Europa Ocidental.
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“O valor dos manuscritos autógrafos de Rachmaninoff reside no fato de que eles revelam um Rachmaninoff desconhecido e não publicado que a comunidade musical global ainda não ouviu. É, de fato, uma redescoberta de diversas maneiras”, explica Dmítri Dmitriev, diretor da Editora de Música Russa, enfatizando a importância da recente descoberta.
Quando o manuscrito apareceu, o neto do compositor, Aleksandr Rachmaninoff (também grafado como Alexander Rachmaninoff), que morava na Suíça, planejou processar o proprietário anônimo para provar que eles não tinham direitos sobre o manuscrito. Durante anos, Aleksandr trabalhou para promover o legado do avô, organizando festivais e competições em seu nome e apoiando músicos jovens e talentosos.
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Aleksandr estava determinado. “Ele ligou e começou a expressar sua indignação muito emocionalmente — queria processar, recuperá-lo de imediato, impor multas e assim por diante”, lembra Dmitriev. “Rapidamente percebemos que a sua resposta emocional poderia ser fatal e poderíamos perder este manuscrito autógrafo exclusivo por mais 50-80 anos.”
No fim das contas, a lógica de Dmitriev prevaleceu. Aleksandr concordou em levar o lote a leilão e chegou a um acordo com o proprietário. A Sotheby’s reclassificou o leilão como uma venda fechada, e a partitura foi vendida para a Fundação Tabor por 800 mil libras esterlinas. A fundação, por sua vez, comprometeu-se a colocar o manuscrito em acervo na Biblioteca Britânica, em Londres, e fornecer acesso aos pesquisadores.
Tudo indicava que o manuscrito autógrafo da 'Sinfonia nº 2’ enfim veria a luz do dia. Mas ninguém poderia imaginar que desapareceria novamente da vista dos acadêmicos por anos.
Um negócio lucrativo
Manuscritos originais de obras musicais alcançam preços elevados e raramente são colocados à venda. Em 2016, um comprador anônimo adquiriu o manuscrito autógrafo da ‘Sinfonia nº 2' de Gustav Mahler na Sotheby's por 4,5 milhões de libras esterlinas – sendo posteriormente reconhecido pelo Livro dos Recordes Guinness como o manuscrito musical mais caro já comercializado em um leilão.
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“Um manuscrito autógrafo é a fonte mais próxima e autêntica do texto de uma obra. Ele captura todos os detalhes da intenção do autor”, diz Dmitriev. Segundo ele, quando um manuscrito é transferido para a impressão, surgem interpretações, muitos detalhes acabam sendo perdidos e o resultado muitas vezes se desvia da versão autoral. “Por esse motivo, qualquer autógrafo — seja de Bach, Beethoven, Mozart ou Rachmaninoff — vale tanto dinheiro assim”, explica.
Na opinião de Dmitriev, a Fundação Tabor adquiriu o manuscrito autógrafo da ‘Sinfonia nº 2’ puramente como um ativo de investimento para revenda subsequente. O risco de potenciais cópias digitais se disseminarem ameaçava diminuir a singularidade do manuscrito e seu valor em leilões futuros. Porém, ao longo de dez anos, os pesquisadores conseguiram acessar apenas algumas páginas do manuscrito autógrafo, que havia sido digitalizado para o livreto de leilão da Sotheby’s.
O retorno da ‘Sinfonia nº 2’
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Os investidores da Tabor acabaram saindo na frente. Em 2014, após a morte de Aleksandr Rachmaninoff, o manuscrito da ‘Sinfonia nº 2’ reapareceu em leilão e foi vendido por 1,2 milhão de libras esterlinas para o colecionador e filantropo estadunidense Robert Owen Lehman Jr. A coleção de arte particular reunida pela família Lehman é considerada uma das melhores dos Estados Unidos. O manuscrito autógrafo da ‘Sinfonia nº 2’ foi então depositado na Biblioteca e Museu Morgan, em Nova Iorque.
Ao contrário dos proprietários anteriores, Lehman decidiu compartilhar o manuscrito único com o mundo. Ele forneceu uma cópia digital à Editora de Música Russa para a preparação da primeira edição acadêmica da ‘Sinfonia nº 2’. No momento em que este artigo foi redigido, o trabalho de decifração do manuscrito autógrafo ainda estava em andamento na EMR.
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Esta decisão seguiu a introdução de Lehman para o projeto ‘Sergei Rachmaninoff. Edição Crítica das Obras Completas’, bem como discussões com parceiros da British Library, que o informaram sobre o resgate inicial do manuscrito no leilão da Sotheby’s em 2004.
Dmitriev descreve o gesto de Lehman como um exemplo único de cooperação internacional. “Esses precedentes demonstram que, em todos os países, há pessoas – de qualquer nacionalidade ou cidadania – capazes de falar não na linguagem de ultimatos, mas como seres humanos”, afirma o especialista.
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