O que está acontecendo na pintura “A Avaliação da Noiva”, de Grigóri Miasoiédov?
Grigóri Miasoiédov foi um dos fundadores dos Itinerantes, também conhecidos como a Sociedade das Exposições de Arte Perambulantes — uma união de artistas cujo objetivo era refletir a realidade de maneira verdadeira, frequentemente com elementos de crítica social. Um dos temas centrais dessas obras era o cotidiano e tradições dos camponeses russos. Os artistas consideravam seu dever lançar luz sobre os aspectos pouco atraentes e dolorosos da vida camponesa.
Esse foco se encaixa perfeitamente na pintura de Miasoiédov “A Avaliação da Noiva”, também traduzida para português como “Smotríni da Noiva”, criada na década de 1860. A obra retrata um dos elementos do noivado. Entre os séculos 16 e 19, os casamentos camponeses eram celebrados menos por amor e mais por acordo ou acerto entre os pais do noivo e da noiva. A jovem precisava ser trabalhadora, bonita, saudável, bem-educada e ter renda familiar. Assim que os pais do noivo fizessem sua escolha, enviavam os casamenteiros — que podiam ser seus padrinhos, parentes mais velhos ou uma pessoa respeitada da aldeia. Esse processo de avaliação da possível noiva era chamado de “smotríni” na Rússia.
Nesta obra, o espectador vê uma casa de camponês espaçosa, com pé direito alto. No centro, está a moça nua. A luz da janela incide sobre sua figura, destacando-a como o principal objeto de atenção. Do outro lado, no banco sob a janela, estão as convidadas – parentes do noivo e a casamenteira. As suas roupas elaboradas e sobrepostas contrastam com a nudez da noiva. Elas observam atentamente a jovem, com um olhar crítico.
De um lado, o artista destaca e até idealiza a beleza da vida camponesa: a sala clara e bem arrumada, os trajes complexos das mulheres. Por outro, ele exalta a humilhação do ritual: os futuros parentes avaliam e inspecionam a noiva como se fosse um animal ou um objeto inanimado, como uma mercadoria.
Com esta pintura, Miasoiédov pretendia mostrar a verdade implacável sobre a vida camponesa, o que se encaixava perfeitamente na concepção artística dos Itinerantes. Exceto por um detalhe: os camponeses nunca despiam as noivas durante o ritual de avaliação.
“Sem dúvida, o smotríni não era um encontro romântico, mas uma etapa importante do contrato de casamento entre duas famílias. O objetivo do ritual era avaliar as habilidades domésticas da noiva, como sua capacidade de fiar, tecer, bordar; sua saúde e capacidade de trabalho, para descartar sinais de doenças ou deficiência; estudar seu caráter e comportamento, como modéstia, respeito aos mais velhos, clareza mental, forma de falar, além da situação financeira da família”, explica o folclorista Andréi Moroz.
Em algumas regiões russas, as casamenteiras e parentes do noivo costumavam ir junto com a possível noiva à bânia, tradicional sauna, onde se podia ver a noiva nua. Mas as parentes do noivo também não permaneciam vestidas na bânia.
O tradicional ritual de avaliação da noiva camponês era rigorosamente regulamentado, inclusive pelas normas morais. A nudez completa contradizia a todos os cânones da vida rural, por isso não fazia parte do costume. Assim, Miasoiédov exagerou a situação para fortalecer a mensagem e aumentar o protesto social contra a opressão das mulheres da época.
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