Quem é a moça da pintura de Kramskoi ‘A Desconhecida’, na Galeria Tretiakov?

A bela do quadro foi apelidada de "Mona Lisa russa". Mas quem serviu de modelo e de que trata esta pintura?

Perigosamente desacompanhada

Galeria Tretiakov "A Desconhecida."
Galeria Tretiakov

Atrás da beldade sentada em uma carruagem de dois lugares, é fácil reconhecer o Teatro Aleksandrinski e os contornos do Palácio Anitchkov, em São Petersburgo.

Os contemporâneos de Ivan Kramskoi (1837-1887) ficaram escandalizados com esta pintura de 1883: uma jovem estava sendo retratada sentada na carruagem sozinha, sem um homem para lhe acompanhar — algo inédito para a época!

Era quase impossível, então, uma dama sair sozinha: ela estava sempre com o pai, o marido, o irmão ou algum outro parente do sexo masculino “para protegê-la”.

Vestida seguindo a última moda

Karl Beggrov Teatro AleksandrInski.
Karl Beggrov

A desconhecida parecia estar usando do bom e do melhor: um chapéu de veludo com uma pena de avestruz e uma pérola, luvas de couro de fino acabamento (que foram apelidadas de “suecas”) e um casaco estilo "Skobelev" com fitas e detalhes em pele.

Pode parecer que esse é apenas um "look da moda" com as peças mais atuais da estação. Mas somente as senhoras de reputação duvidosa podiam se vestir assim: entre os aristocratas, era considerado indecente usar roupas da moda.

Os críticos da época não se contiveram: chamaram a retratada de "cocotte na charrete", "horror da cidade grande", "camélia de alto custo".

Amante do imperador ou filha do artista?

Domínio público Zinaída Skobeleva.
Domínio público

Há muitas hipóteses sobre quem o artista retratou realmente — algumas plausíveis e outras fantásticas. A mais prosaica é a de que a modelo de Kramskoi era uma prostituta cara – um indício disso seria a vista do Palácio Anitchkov, perto do qual as chamadas “mulheres da noite” se reuniam na Praça Aleksandrinski. Outras versões ligam a desconhecida à dinastia Romanov.

É possível também que a retratada seja a irmã do general Skobelev, Zinaída Bogarne, já que a princesa de Leuchtenberg teve um caso com o grão-duque Aleksêi Aleksándrovitch.

Ela também poderia ser a princesa Ekaterina Dolgorúkova, esposa morganática (ou seja, de outro nível social, mais baixo) de Alexandre 2°. Eles não tinham medo de quebrar as regras de decoro e, às vezes, saíam para passear em uma carruagem aberta.

Existe ainda a hipótese de que a desconhecida seja a princesa Varvara Turkestánova, dama de honra da imperatriz Maria Fiódorovna e amante de Alexandre 1°.

Outras conjecturas, menos populares e realistas, são de a moça é a filha de Ivan Kramskoi, Sofia, ou ainda Matriona Savvichna Bestujeva (já que o príncipe Bestujev se apaixonou perdidamente pela copeira da tia e obteve permissão para casar com ela, apesar das diferenças na escala social).

Má sorte

Gavriil Grigorov / TASS "A Desconhecida" na parede da Galeria Tretiakov.
Gavriil Grigorov / TASS

Existem muitas lendas ligadas à pintura de Kramskoi. Segundo uma delas, “A Desconhecida" traria má sorte. O artista foi o primeiro a sentir isso: ao contrário do que se esperava, Pável Tretiakov não adquiriu a obra para sua coleção.

Além disso, os proprietários da pintura viveram repetidamente uma verdadeira maré de azar: dependência do álcool, uma esposa que fugiu com o amante, um incêndio no qual apenas a tela de Kramskoi saiu ilesa...

Seus últimos proprietários foram o fabricante de açúcar Pavel Kharitonenko e sua esposa, Vera. Em 1917, sua mansão em Moscou, juntamente com a coleção de pinturas, foi nacionalizada.

Em 1925, "A Desconhecida" passou finalmente a fazer parte da coleção da Galeria Tretiakov, como esperado.

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