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Como a família de Lev Tolstói recebeu a Revolução de 1917?
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Neste ano, foi publicado na Rússia o livro inédito “Duas Tatianas. A filha e a neta de Lev Tolstói” (editora Boslen), escrito pela bisneta do escritor, Marta Albertini, filha e neta das Tatianas do título.
Marta nasceu em 1937 em Roma, quando sua mãe e sua avó viviam em exílio. Durante um longo período de tempo, ela sequer sabia que o seu bisavô era um escritor famoso e não aprendeu russo. Mas o seu grande amor pelas duas Tatianas a levou a vasculhar o arquivo da família, decifrar as correspondências e os diários e aprender sobre como seus ancestrais viviam na Rússia e por que foram obrigados a deixar sua terra natal.
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No momento dos eventos em fevereiro de 1917, a esposa de Tolstói, Sófia Andreevna, e sua filha Tatiana estavam na propriedade da família em Iásnaia Poliána. Tatiana havia ficado viúva recentemente e se mudou com a filha então adolescente Tânia (diminutivo de Tatiana) para a casa rural. Todos estavam felizes por estarem distantes dos acontecimentos na capital.
“Ninguém lamenta o antigo governo”, lê Albertini a carta de sua avó para o irmão mais velho, Serguêi, datada de 10 de março de 1917. “A insatisfação com o governo saturou toda a Rússia a tal ponto que ninguém podia mais tolerá-la. Podemos agradecer sinceramente ao antigo governo por ser tão ruim que não há luta, é por isso que a revolução é tão incrivelmente pacífica.”
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Toda a família estava feliz porque “agora será possível publicar todas as obras do pai sem medo da censura”.
O poder do proletariado e a fome
No entanto, assim como o próprio escritor, Tatiana entendeu que o novo poder também poderia introduzir censura e jogar inocentes na prisão.
Com o tempo, a situação ficou mais tensa: de vez em quando começaram a ocorrer roubos nas propriedades vizinhas de Iásnaia Poliána. Os camponeses começam a incendiar as casas dos proprietários das terras, havia rumores de que estavam se aproximando da mansão de Tolstói. Tatiana escreveu uma carta ao presidente do Governo Provisório, Aleksandr Kérenski, pedindo-lhe que protejesse a propriedade. O presidente respondeu e, para defender a mansão, enviou soldados — que, porém, se dispersariam em pouco tempo.
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“Apesar da confusão e agitação geral, Tatiana, junto com sua mãe, irmã Aleksandra e irmão Serguêi, começaram a organizar o Museu de Lev Tolstói em Iásnaia Poliána”, escreve Albertini. Muito provavelmente foi essa decisão de criar um museu que salvou a mansão do destino das aldeias vizinhas.
Após a Revolução de Outubro, que acabou com o Governo Provisório, e a eclosão da Guerra Civil, a família de Tolstói, que nunca tivera problemas financeiros, começou a passar fome.
Segundo Albertini, eles tinham uma vaca e apenas os alimentos que cultivavam no jardim. Às vezes, velhos amigos de Tolstói ajudavam a família enviando arroz e feijão. A família vendeu propriedades para sobreviver.
De acordo com as memórias da filha de Tolstói, Aleksandra, o seu criado, ainda usando luvas brancas, servia pratos sobre uma mesa coberta com uma toalha branca com apenas beterraba cozida.
“Nunca pensei que a devastação bolchevique duraria tanto tempo. Mas ela continua se expandindo e parece estar se fortalecendo”, escreveu Tatiana em seu diário no início de 1919.
Em uma das suas cartas para um amigo, Tatiana admitiu que queria deixar a Rússia. “Não tínhamos ideia desse ódio de classe irreconciliável que sempre viveu de forma latente em pessoas de criação e educação diferentes das nossas”. Mas ela observou que ainda tinha boas relações com a maioria dos camponeses de Iásnaia Poliána. Afinal, durante muitos anos, foi ela que ensinou os filhos deles a ler e escrever e arrecadava fundos para caridade.
Guerra Civil e emigração
A neta de Tolstói, a adolescente Tânia, escreveu em seu diário em setembro de 1919: “Ou estou do lado de Deníkin [um dos líderes dos brancos] ou dos bolcheviques. Fico decepcionada com ambos os lados a cada minuto. Há muita crueldade em ambos os lados. Aprovo plenamente o princípio do bolchevismo, mas eles o executam de uma forma brutal”.
A saúde da esposa do escritor, Sófia Andreevna, começou a piorar. “Ela sempre tinha medo de que não houvesse comida suficiente e que todos morreríamos de fome. Isso a atormentou terrivelmente”, escreveu sua neta Tânia em seu diário. Em novembro de 1919, Sófia Andreevna morreu.
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Um por um, quase todos os filhos de Tolstói deixaram a Rússia Soviética, por não encontrarem lugar diante das novas circunstâncias e temendo perseguições. Tatiana trabalhou como curadora do Museu em Iásnaia Poliána até 1923, depois como diretora do Museu de Tolstói em Moscou.
Em 1925, ela se mudou para Paris e depois para a Itália, onde passou os últimos anos de vida. Lá morava com a filha Tânia, que se casou com um italiano, o advogado Leonardo Giuseppe Albertini.
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