O que Púchkin, Tolstói e Dostoiévski pensavam sobre os tsares russos

O que Púchkin, Tolstói e Dostoiévski pensavam sobre os tsares russos
Kira Lissitskaia (Foto: Domínio público)
No século 19, a literatura era a parte mais importante da vida social russa. Os imperadores conheceram e leram todos os grandes escritores do país, comentavam e refletiam sobre suas obras, puniram e perdoaram escritores. Mas o que pensavam os escritores sobre os monarcas russos?

Aleksandr Púchkin: do ódio ao amor

O que Púchkin, Tolstói e Dostoiévski pensavam sobre os tsares russos Retrato de Aleksandr Púchkin, por Orest Kiprénski, 1827.
Orest Kiprénski

O principal poeta russo tinha uma relação especial com os monarcas. Em 1834, Púchkin escreveu: “Eu vi três tsares: o primeiro mandou tirar meu boné e repreendeu minha babá por mim; o segundo não me favoreceu; embora o terceiro tenha me rebaixado para um Kammer-page, não quero trocá-lo pelo quarto; não busco o bem do bem.”

Vamos decifrar. o primeiro é Paulo 1º, que viu Púchkin ainda bebê. O poeta nasceu em 1799, e, já em 1801, Paulo 1º foi morto. Na sua obra "Ode à Liberdade", Púchkin sugere que o assassinato ocorreu com o consentimento tácito de seu filho e herdeiro, Alexandre 1º.

O que Púchkin, Tolstói e Dostoiévski pensavam sobre os tsares russos Paulo 1º, por Vladímir Borovikôvski, 1796.
Vladímir Borovikôvski

O segundo é Alexandre 1º. O jovem Púchkin não tinha bons relacionamentos com ele. Por sua poesia demasiadamente livre, o imperador enviou o poeta para o exílio no sul da Rússia e, mais tarde, na região de Pskov. No entanto, foi esse exílio que salvou Púchkin da participação na revolta dezembrista junto com seus amigos. A revolta foi suprimida, os líderes dezembristas foram executados e outros membros do movimento foram exilados na Sibéria e no Extremo Oriente russo.

O que Púchkin, Tolstói e Dostoiévski pensavam sobre os tsares russos Alexandre 1º, por George Dawe, início do século 19.
George Dawe

Em seu romance em verso “Eugênio Onéguin”, Púchkin abertamente chama Alexandre de “o governante fraco e astuto” e de “dândi careca”. O poeta russo considera a vitória de Alexandre sobre Napoleão uma glória “inesperada” e zombou diversas vezes da covardia do imperador naquela guerra.

O terceiro tsar com quem Púchkin conviveu foi Nicolau 1º. É consenso na Rússia que esse imperador foi um militar pouco educado. No entanto, ele valorizava muito Púchkin e sempre o mantinha próximo. Nicolau se tornou o censor pessoal do poeta: o imperador lia todas as obras antes de dar permissão para publicação. Além disso, o imperador fez de Púchkin um historiógrafo da corte, lhe permitiu acesso aos arquivos e trabalho nos temas que lhe interessassem.

O que Púchkin, Tolstói e Dostoiévski pensavam sobre os tsares russos Nicolau 1º, por Franz Krüger, 1835.
Franz Krüger

Nicolau promoveu o poeta ao posto de “Kammer-page” da corte, o que o já famoso Púchkin, de 34 anos, considerou uma humilhação. Essa posição nobre, mas baixa, porém, lhe deu uma variedade de privilégios. Também houve momentos picantes na relação entre o poeta e o tsar: corriam inúmeros rumores de que Nicolau não era indiferente à esposa de Púchkin, o que deixava o poeta com muito ciúme.

Púchkin também tinha uma atitude especial em relação ao primeiro imperador russo, Pedro, o Grande, a quem dedicou o poema "Cavaleiro de Bronze", no qual admirava o poder e a grandeza de Pedro, mas reclamava da severidade com que ele tratava seu povo e seu país.

Lev Tolstói: todos os governantes são “estúpidos e depravados”

Um dos mais famosos escritores russos, Lev Tolstói dedica bastante atenção ao imperador Alexandre 1º na sua obra-prima “Guerra e Paz”. Ele cria a imagem de um homem simples com uma variedade de características, incluindo mesquinhez, soberba e sensibilidade (Tolstói, por exemplo, retrata de forma positiva como o imperador fica doente ao ver os feridos). Há uma sensação de que Tolstói é muito mais simpático à figura de Napoleão, e ele não considera Alexandre, o “libertador da Europa”, um grande árbitro dos destinos. Ao mesmo tempo, o escritor mostra com que reverência o povo russo trata seu soberano.

Na verdade, Lev Tolstói não reconhecia nenhuma autoridade e tampouco tinha medo delas. O grande escritor russo denunciava e criticava o governo russo e a Igreja Ortodoxa. Os seguidores do escritor foram presos e exilados, seus livros e artigos foram proibidos (por exemplo, "A Sonata Kreutzer", "Cristianismo e Patriotismo” e “No que eu acredito”).

O que Púchkin, Tolstói e Dostoiévski pensavam sobre os tsares russos Lev Tolstói
Domínio público

Mas ninguém se atreveu a punir o escritor. Apenas no final da sua vida, em 1901, ele foi excomungado da Igreja Ortodoxa Russa, mas o anátema (a sentença de expulsão) não foi cantado em nenhuma igreja.

Tolstói tinha uma opinião negativa sobre o governo do Império Russo, mas também odiava os Estados ocidentais. Toda a história da Europa, segundo Tolstói, era a história de governantes estúpidos e depravados, que “matavam, arruinavam e, o mais importante, corrompiam seu povo”.

O que Púchkin, Tolstói e Dostoiévski pensavam sobre os tsares russos Ivan o Terrível, por Víktor Vasnetsov, 1897.
Víktor Vasnetsov

“Não importa quem assuma o trono, a mesma coisa se repete: morte e violência contra as pessoas. Isso acontece em todos os Estados e repúblicas constitucionais pretensamente livres”, escreveu Tolstói.

Se os governantes fossem pessoas boas e altamente morais, seria possível justificar a subordinação de todo o povo a eles. No entanto, de acordo com Tolstói, eram sempre “pessoas más, insignificantes, cruéis, imorais e, o mais importante, enganosas” - como se todas essas qualidades fossem uma condição necessária para tomar o poder.

O que Púchkin, Tolstói e Dostoiévski pensavam sobre os tsares russos "Catarina 2ª da Rússia", óleo sobre tela de Alexander Roslin, década de 1780.
Aleksandr Rôslin

No artigo “Sobre o poder do Estado”, Tolstói coloca no mesmo nível “o perverso Henrique 8”, “o vilão Cromwell” e “o hipócrita Carlos 1°”. O escritor também descreveu de maneira rude os tsares e imperadores russos, chamando Ivan, o Terrível, de “doente mental”, Catarina, a Grande, de “alemã de comportamento desonesto e dissoluto” e Nicolau 2º de “oficial hussardo tolo”.

O que Púchkin, Tolstói e Dostoiévski pensavam sobre os tsares russos Nicolau 2º, por N. Iach, 1896.
Domínio público

O escritor chama o imperador russo Alexandre 3º, que, aliás, apreciava muito o talento de Tolstói, de “estúpido, rude e ignorante”. Ao mesmo tempo, a tia de Tolstói, Alexandra, era dama de honra da Imperatriz Maria Feodorovna, esposa de Alexandre 3º. Foi ela que ajudou Tolstói a evitar a raiva do monarca.

Fiódor Dostoiévski: um monarquista convicto

O que Púchkin, Tolstói e Dostoiévski pensavam sobre os tsares russos Retrato de Fiódor Dostoiévski, por Vassíli Perov, 1872.
Vassíli Perov

As relações de Dostoiévski com o sistema político russo se desenvolveram de maneira dramática. Em sua juventude, sob a influência do crítico Vissarion Belínski, Dostoiévski entrou no círculo dos revolucionários.

Em 1849, ele foi preso junto com outros membros do grupo de oposição. Após oito meses de prisão, o escritor foi condenado à morte. Já no cadafalso, Dostoiévski e outros revolucionários foram informados de que o imperador Nicolau 1º os havia perdoado e comutado sua sentença para oito anos de trabalhos forçados na Sibéria. Um dos condenados enlouqueceu com essa execução simulada, e o estado mental do próprio Dostoiévski também foi afetado.

O que Púchkin, Tolstói e Dostoiévski pensavam sobre os tsares russos Nicolau 1º, por Egor Botman, 1855.
Egor Botman

Por conta de todos esses acontecimentos, o escritor passou por uma reavaliação de valores. Ele se juntou aos estadistas, começou a acreditar na “originalidade russa”, na importância da “ideia russa” e se tornou um monarquista convicto. Ele descreveu a nocividade das ideias revolucionárias e da juventude de mentalidade revolucionária em seu romance “Os Demônios”.

O que Púchkin, Tolstói e Dostoiévski pensavam sobre os tsares russos Alexandre 2º, por Nikolai Lavrov, 1873.
Nikolai Lavrov

Dostoiévski também manteve contatos diretos com a família real. Alexandre 2º, que anunciou oficialmente o perdão aos revolucionários, muitos anos depois convidou o escritor para conversar com seus filhos Serguêi e Pável. Dostoiévski não se encontrou pessoalmente com o imperador, mas jantou três vezes com os grão-duques, apresentando a eles sua visão do futuro da Rússia. 

O que Púchkin, Tolstói e Dostoiévski pensavam sobre os tsares russos Alexandre 3º, por Ivan Kramskoi, 1886.
Ivan Kramskoi

O escritor gostou muito do herdeiro do trono, o futuro imperador Alexandre 3º, que também apreciava Dostoiévski, principalmente seu romance “Os Demônios”. Em 1880, o futuro imperador recebeu o escritor em seu palácio. A filha de Dostoiévski, Liubov, descreveu o encontro: “É muito característico que Dostoiévski, um monarquista fervoroso naquele período de sua vida, não quisesse obedecer à etiqueta da corte [...]. Esta foi provavelmente a única vez na vida de Alexandre 3º em que ele foi tratado como um mero mortal. Ele não se ofendeu com isso e posteriormente falou do meu pai com respeito e simpatia”.

Alexandre 3º classificou a morte de Dostoiévski como uma “grande perda” e, um mês depois, terroristas mataram seu pai, o imperador Alexandre 2º. Assim, Alexandre 3º ascendeu ao trono.

LEIA TAMBÉM: Por que os nobres russos sempre estavam endividados?

A Janela para a Rússia está também no Telegram! Para conferir todas as novidades, siga-nos em https://t.me/russiabeyond_br

<