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O que está acontecendo na pintura “Procissão Religiosa na Província de Kursk”, de Iliá Répin?

Tretyakov gallery
Para criar essa obra-prima, o artista Iliá Répin viajou à região de Kursk para ver com os próprios olhos como acontecia a maior procissão da Páscoa russa. Contemporâneos chamaram a pintura de “um triunfo da arte moderna” e de uma obra que “refletia tanto a grandeza da Rússia quanto sua feiura cotidiana”.

De acordo com a lenda religiosa, o ícone de Nossa Senhora de Kursk “O Sinal” foi descoberto sob uma árvore por um caçador em 8 de setembro de 1295. Os fiéis acreditam que, depois de o caçador erguer o ícone do chão, uma fonte começou a fluir daquele mesmo lugar. Mais tarde, nesse local perto da cidade de Kursk foi construído a pústin [mosteiro isolado] Korennaia. Acreditava-se que a imagem sagrada fornecia proteção dos problemas.

Galeria Tretiakov

No final do século 16, por ordem do tsar Teodoro 1º, o ícone foi levado para Moscou, mas, em 1618, acabou retornando para Kursk e foi instalado no novo mosteiro Známenski, construído especialmente para ele. No mesmo ano ocorreu a primeira procissão religiosa com o ícone. Desde então, todos os anos, na nona semana após a Páscoa, o ícone era carregado do mosteiro Známenski para a pústin Korennaia; e, em setembro, era devolvido ao seu local original.

Essas procissões religiosas, durante as quais os fiéis percorriam uma distância de 30 quilômetros, eram consideradas as maiores da Rússia e atraíam até 60 mil pessoas.

Obra “em 3D”

O primeiro esboço do quadro “Procissão Religiosa na Província de Kursk” (também conhecido como “Procissão da Páscoa no Distrito de Kursk” ou “Procissão Religiosa em Kursk Gubérnia”) foi criado em 1877. Inicialmente, Répin trabalhou na obra a partir de Moscou. Porém, quatro anos após iniciar a pintura, o artista decidiu ir a pústin Korennaia para testemunhar pessoalmente o evento religioso no verão de 1881. O quadro foi concluído em 1883 em São Petersburgo, onde Répin o apresentou na exposição dos Itinerantes.

Primeiro esboço de 1877
Museu Russo

O público diante da pintura tinha a sensação de que a multidão na obra estava se movendo em direção aos espectadores, e não havia fim para a procissão; como se o resto daquela multidão estivesse escondida sob a poeira amarela da estrada. Na tela há mais de 70 personagens. À frente da procissão estão camponeses carregando uma redoma com uma cúpula dourada e fitas coloridas. Em seguida, duas mulheres portam cuidadosamente a caixa do ícone venerado. O ícone em si aparece brilhando ao sol nas mãos de uma proprietária de terras com trajes opulentos. 

Galeria Tretiakov

Os peregrinos estão protegidos por policiais e agentes especiais: um oficial cossaco dá uma chicotada em alguém não tão cuidadoso. Os policiais montados não permitem que os pobres se aproximem muito do centro da procissão e do santuário.

O escritor russo Kornéi Tchukóvski escreveu em suas memórias que somente Répin e Lev Tolstói poderiam retratar de forma tão volumosa uma multidão de personagens, cada um com personalidade própria.

Galeria Tretiakov / Getty Images

“Toda essa variedade de modos de andar, barbas, barrigas, testas baixas, khorugvs [estandartes ortodoxos], nagaikas [chicotes utilizados por cossacos] e cabelos suados — tudo isso está tão naturalmente colado e entrelaçado em uma massa como em nenhum outro lugar, em nenhuma outra pintura. [...] Se você olhar para toda essa procissão por dez minutos, sua estereoscopia chegará ao ponto da ilusão e o fundo da pintura será empurrado para as profundezas, pelo menos para um quarto de versta [medida itinerária russa, equivalente a 1067 metros]”.

Galeria Tretiakov

Como no caso da famosa pintira de Répin “Rebocadores do Volga”, a então nova “Procissão Religiosa na Província de Kursk” não deixou ninguém indiferente. Alguns disseram que se tratava de “um triunfo da arte moderna”, chamando a obra de “uma peça viva da fé popular”. Outros criticaram o artista por sua parcialidade. Mas também teve quem escreveu que a pintura “reflete tanto a grandeza da Rússia quanto sua a feiura cotidiana”.

Galeria Tretiakov

O colecionador e fundador da maior galeria russa Pável Tretiakov adquiriu a obra logo após sua primeira exposição por 10.000 rublos (cerca de 350 salários médios na época). A obra ainda permanece na galeria Tretiakov, em Moscou.

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