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Quando a cultura e ciência viraram alvos: 5 figuras famosas que se tornaram vítimas das repressões de Stálin

Kira Lissítskaia (Arquivo; Sputnik)
O fim da década de 1930 entrou para a história como o “Grande Terror” ou “Grande Expurgo”. Na época, foi travada uma violenta campanha de repressão política na União Soviética. Sem julgamento ou investigação, foram presos primeiro políticos e militares, depois artistas e cientistas. No total, foram presos e exilados cerca de 4,8 milhões de soviéticos, 1,2 milhão dos quais foram fuzilados ou morreram na prisão. Quase todos os prisioneiros e mortos foram posteriormente reabilitados por ausência de crime e reconhecidas como vítimas de terrorismo político. Relatamos sobre os cinco intelectuais célebres que não conseguiram escapar dos horrores das repressões de Stálin.

1. O poeta Óssip Mandelstam

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Em 1933, Óssip Mandelstam, um dos maiores poetas russos do século 20 escreveu o epigrama “Vivemos sem sentir o país sob nossos pés”, também traduzida como “Vivemos sem sentir o chão nos pés”, com uma crítica impensável a Ióssif Stálin.

Vivemos sem sentir o chão nos pés

A dez passos não se ouve a nossa voz.

Uma palavra a mais e o montanhês

Do Kremlin vem: chegou a nossa vez.

 

Seus dedos grossos são vermes obesos.

Suas palavras caem como pesos.

Baratas, seus bigodes dão risotas;

Brilham como um espelho as suas botas.

 

Cercado de um magote subserviente,

Brinca de gato com essa subgente.

Um mia, outro assobia, um outro geme.

Somente ele troveja e tudo treme.

 

Forja decretos como ferraduras:

Nos olhos! Nos quadris! Nas dentaduras!

Fruit das sentenças como framboesas.

O amigo Urso abraça suas presas.

(tradução de Augusto de Campos)

 

O poeta recitava o epigrama a colegas apenas oralmente. Bóris Pasternak o advertia para não fazer nem mesmo isso, chamando de “suicídio”, e estava certo. Um dos ouvintes denunciou o poeta à NKVD (órgão que precedeu a KGB).

Primeiro, o poeta foi enviado ao exílio a cidade de Vorônej. Pouco tempo depois, em 5 de maio de 1938, Mandelstam foi preso acusado de “atividades contrarrevolucionárias” e, quatro meses mais tarde, em 2 de agosto de 1938, foi condenado a cinco anos em campos de trabalhos forçados. No mesmo ano, o poeta morreu em um campo de trânsito no Extremo Oriente, de onde conseguiu enviar uma nota para Nadejda Mandelstam, sua esposa, pedindo-lhe roupas quentes, que ele nunca recebeu. A causa oficial de sua morte é uma doença não especificada. Após a morte de Stálin, Mandelstam foi reabilitado por ausência de crime.

2. O diretor Vsévolod Meyerhold

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Vsévolod Meyerhold foi um grande ator de teatro e um dos mais importantes diretores e teóricos de teatro da primeira metade do século 20. Como inovador teatral e vanguardista, Meyerhold foi diversas vezes criticado pelo governo soviético. Stálin não gostava de suas peças. Também causava irritação sua esposa, a atriz Zinaida Raikh, que não hesitava em criticar o governo e escrever cartas a Stálin afirmando que ele não entendia de arte.

Em 1939, Meyerhold foi preso acusado de ser “inimigo do povo”. Em cartas dirigidas a altos funcionários, descreveu em detalhes como foi torturado por muitos dias durante inúmeros interrogatórios. Em 1940, o diretor foi considerado culpado, fuzilado e enterrado em uma vala comum.

3. O biólogo Nikolai Vavílov

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Nikolai Vavílov foi um proeminente botânico, agrônomo e geneticista russo. Dedicou sua vida ao estudo e melhoramento do trigo, milho e outros grãos essenciais para a alimentação da população. Vavílov fundou e chefiou o Instituto de Genética. No entanto, foi justamente a “genética burguesa” que teve um papel fatal em sua vida. O acadêmico foi alvo de ataques de Trófim Lissenko, um agrônomo do povo que subiu rapidamente na hierarquia partidária. As ideias anti-mendelianas sobre a biologia das plantas de Trofim Lisenko ganharam a simpatia de Stálin.

Com o apoio do “líder do povo”, Lisenko conseguiu a prisão do famoso geneticista, cujas opiniões ele considerava incorretas. Na ordem de prisão, afirmava-se que Vavílov promovia “teorias deliberadamente hostis” e combatia os trabalhos de Lisenko, supostamente fundamentais para a agricultura soviética. Vavílov foi condenado à morte por “sabotagem”, mas a pena foi trocada para 20 anos de prisão. Dois anos depois, ele morreu de fome na prisão. Leia mais sobre a história de vida de Vavílov aqui.

4. O engenheiro e projetista Serguêi Koroliov

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O homem que levou Iúri Gagárin ao espaço também foi considerado “inimigo do povo” e realizou seus principais projetos na prisão. O engenheiro aeronáutico que possibilitou o envio do primeiro homem ao espaço foi preso em 1938 e, sob tortura, confessou participação em “atividades contrarrevolucionárias”. Cumpriu pena nos terríveis campos da Kolimá, na Sibéria, onde quase morreu de exaustão.

Amigos influentes de Koroliov intercederam por ele, e ele foi transferido para uma prisão especial em Moscou — uma oficina de projetos experimentais, onde começou a trabalhar em motores para foguetes espaciais. Em 1944 foi libertado antes do previsto, mas só veio a ser reabilitado após a morte de Stálin.

Leia mais sobre o maior engenheiro espacial da história mundial aqui

5. O ator Gueórgui Jjénov

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Poucos fãs do cultuado filme de espionagem “O Erro do Residente” sabiam que o protagonista havia passado pelos campos de Stálin. Primeiro, prenderam seu irmão, e toda a família foi exilada no Cazaquistão. Gueórgui se recusou a partir, foi detido, mas acabou solto graças à intervenção do renomado diretor Serguêi Guerássimov. Mais tarde, durante filmagens no Extremo Oriente, Jjénov se encontrou algumas vezes com o adido militar dos EUA — o que chamou a atenção da segurança soviética, e ele foi preso sob suspeita de espionagem.

Jjénov passou cinco anos nos campos de trabalho forçado da Kolimá, trabalhando na minas de ouro. Em 1945 foi libertado, mas ficou proibido de visitar Moscou e Leningrado (atual São Petersburgo). Passou a trabalhar em teatros e estúdios cinematográficos da Sibéria. Só foi reabilitado dez anos depois e então conseguiu voltar a atuar no grande cinema.

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