A violência doméstica na Rússia antiga

A violência doméstica na Rússia antiga Filipp Maliávin. "Moça camponesa", 1920.
Museu I.I.Marchakov/Domínio público
Agredir fisicamente a esposa era não só permitido, mas também considerado “útil” na Rússia antiga. A mulher tinha direito de se proteger da violência apenas quando ameaçada de morte ou se sofresse ferimentos muito graves.

Em 1647, Avdótia, uma mulher dos subúrbios de Moscou, relatou sobre seu marido Nikolai: “Ele me algemou pelas pernas e me amarrou à viga do teto, me torturou e me bateu, e fiquei assim o dia todo".

Punições físicas contra esposas não eram incomuns ali então. No livro Domostroi, uma compilação de ensinamentos para a nobreza russa do século 17, há instruções especiais de como punir as mulheres “culpadas”: “Puna quando vocês estiverem sozinhos; depois de punir, a acaricie e a ame".

Segundo a historiadora Nada Boszkowska, a violência doméstica era muito comum não apenas na Rússia, mas também em todos os países europeus, onde a literatura instrutiva também recomendava que os maridos “punissem” e “ensinassem” suas esposas.

A violência doméstica na Rússia antiga Ivan Gorokhov. "Bebedeira", 1929.
Domínio público

Um Ataman (cossaco de certo título) da cidade de Usman costumava jogar sua esposa nua em urtigas ou atrelá-la ao arado. Samuel Collins, médico do tsar Aleixo da Rússia, descreveu como um padre espancou a esposa (o casamento de padres é permitido na Igreja Ortodoxa Russa) com um chicote e, depois, colocou nela um vestido embebido em vodca e a incendiou.

Assassinatos e suicídios de mulheres devido à violência doméstica eram muito comuns. Os maridos assassinos, porém, quase nunca eram perseguidos, especialmente se a mulher não tivesse parentes ou se a Igreja não a defendesse.

Caso a esposa tivesse conseguido sobreviver a um espancamento grave, o tribunal e a Igreja geralmente decidiam devolver a mulher abusada ao marido.

A violência doméstica na Rússia antiga Vladímir Makóvski. "Não te deixo!", 1892.
Museu nacional «Galeria de Arte de Kiev» / Domínio público

De acordo com a Igreja e as leis russas, o marido tinha o direito de "ensinar" sua esposa, mas isso não deveria ser feito "por maldade", torturando e ameaçando sua vida. Segundo os conceitos russos, “ensinar” significava "espancamento simples”, enquanto "espancamentos insuportáveis e mortais” eram considerados crimes.

Se a mulher acreditasse que seu marido estava tentando matá-la, ela apresentava uma queixa ao tribunal. O número de queixas assim em fontes históricas russas é enorme.

As mulheres geralmente compareciam ao tribunal sozinhas ou eram intercedidas por parentes de sexo masculino.

Como as mulheres lidavam com a violência?

As mulheres que tinham pai ou irmãos vivos raramente se tornavam alvos de violência doméstica.

A violência doméstica na Rússia antiga Bulgakovski D.G. "Ecos. A embriaguez e suas consequências" - álbum ilustrado com cenas cotidianas da vida de alcoólicos.
Moscou: Editora A.D. Stúpin, 1913/ Domínio público

Era muito fácil matar uma pessoa na Rússia pré-petrina. Mas como as mulheres sobreviviam sem parentes vivos e influentes?

A opção mais fácil era fugir. Na maioria das vezes, as esposas fugiam para sua família, a fim de recorrer pessoalmente aos parentes e fazer uma petição contra o marido.

Elas escreviam que o marido estava atentando contra sua vida, o que era reconhecido como motivo oficial para divórcio e julgamento. Às vezes, as mulheres fugiam para outros países.

Em 1646, por exemplo, a esposa de um nobre da cidade de Putivl fugiu para a Lituânia, deixando sua mãe e filhos, e voltou apenas quando soube que o marido tinha morrido.

A violência doméstica na Rússia antiga Bulgakovski D.G. "Ecos. A embriaguez e suas consequências" - álbum ilustrado com cenas cotidianas da vida de alcoólicos.
Moscou: Editora A.D. Stúpin, 1913/ Domínio público

Outra opção era fugir para o mosteiro. Pedir proteção ao bispo, ao hegúmeno e à comunidade monástica em geral, especialmente à comunidade feminina, era um meio eficaz.

Muitas mulheres que fugiam da violência doméstica viviam em mosteiros, assim como mulheres que tinham sido tonsuradas à força por seus maridos — que encontravam nessa ação uma solução para poderem se casar com outra mulher.

A terceira opção era culpar o marido de um crime de Estado, ou seja, informar os policiais que o marido estava planejando matar o soberano ou fugir para o exterior. Esse tipo de acusação, mesmo contra uma pessoa inocente, na maioria dos casos, terminava em morte por tortura do detido.

No entanto, era importante provar a acusação — por exemplo, preparar cartas falsas ou encontrar uma testemunha que, sob tortura, também mostrasse que o marido realmente fugiria para o exterior ou mataria o tsar. Caso contrário, a pena de morte aguardava a mulher e todos os que tivessem assinado seu depoimento.

A violência doméstica na Rússia antiga Chicoteamento de N. Lopukhina. Gravura de J. B. Leprens, 1766.
Domínio público

A quarta opção era recorrer ao tribunal. No entanto, apenas mulheres ricas e com parentes e amigos influentes escolhiam essa opção, já que, por padrão, os tribunais decidiam esses casos em favor do marido.

A quinta e última opção era assassinar o marido. O homicídio doloso (intencional) levava à pena de morte sendo enterrado vivo. Assim, as mulheres muitas vezes tentavam provar que o assassinato não tinha sido intencional (homicídio culposo).

Segundo a historiadora Nada Boszkowska, na cidade de Kozlov, em 1647, foram detidos uma mulher, chamada Akulina, e seu genro, Serguêi. Eles tinham matado o marido de Akulina, um nobre de nome Artémi Kutchenev, e jogado o cadáver em um rio.

A violência doméstica na Rússia antiga Freiras do convento de São João, o Teólogo, em Suri, início do século 20.
Domínio público

O filho do homem assassinado tinha denunciado a madrasta, mas ela testemunhou que Artémi tinha estuprado sua filha do primeiro casamento, que só tinha oito anos.

Além disso, o marido já tinha matado suas duas primeiras esposas e estuprado seus filhos — e por isso Akulina decidira matá-lo. Apesar da intrigante história contada por Boszkowska, a decisão do tribunal é desconhecida.

Violência doméstica contra homens

A violência doméstica contra os homens também existia na Rússia, embora tais casos fossem raros — pelo óbvio motivo da disparidade de forças.

Na maioria dos casos, as mulheres assassinavam seus maridos para ficar com sua propriedade. Em 1625, a mulher de Dmítri Eremeev tentou esfaqueá-lo na sauna e, em seguida, tentou matá-lo com uma estaca de madeira, mas o homem sobreviveu. No julgamento, ela desculpou-se dizendo que era “louca” e foi punida com chicotes.

Um militar da cidade de Ustiug relatou que sua esposa tentara estrangulá-lo durante o sono e depois ameaçara matá-lo com a ajuda de bruxaria.

A esposa de um pintor de ícones de Kursk convenceu três homens a matarem seu marido durante o sono. Todos foram detidos.

No entanto, na maioria dos casos, as mulheres que queriam ficar "viúvas" preferiam recorrer não ao assassinato direto, mas à calúnia dos maridos em crimes de Estado ou feitiçaria, preparando com antecedência testemunhas e documentos falsos.

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