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A violência doméstica na Rússia antiga
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Em 1647, Avdótia, uma mulher dos subúrbios de Moscou, relatou sobre seu marido Nikolai: “Ele me algemou pelas pernas e me amarrou à viga do teto, me torturou e me bateu, e fiquei assim o dia todo".
Punições físicas contra esposas não eram incomuns ali então. No livro Domostroi, uma compilação de ensinamentos para a nobreza russa do século 17, há instruções especiais de como punir as mulheres “culpadas”: “Puna quando vocês estiverem sozinhos; depois de punir, a acaricie e a ame".
Segundo a historiadora Nada Boszkowska, a violência doméstica era muito comum não apenas na Rússia, mas também em todos os países europeus, onde a literatura instrutiva também recomendava que os maridos “punissem” e “ensinassem” suas esposas.
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Um Ataman (cossaco de certo título) da cidade de Usman costumava jogar sua esposa nua em urtigas ou atrelá-la ao arado. Samuel Collins, médico do tsar Aleixo da Rússia, descreveu como um padre espancou a esposa (o casamento de padres é permitido na Igreja Ortodoxa Russa) com um chicote e, depois, colocou nela um vestido embebido em vodca e a incendiou.
Assassinatos e suicídios de mulheres devido à violência doméstica eram muito comuns. Os maridos assassinos, porém, quase nunca eram perseguidos, especialmente se a mulher não tivesse parentes ou se a Igreja não a defendesse.
Caso a esposa tivesse conseguido sobreviver a um espancamento grave, o tribunal e a Igreja geralmente decidiam devolver a mulher abusada ao marido.
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De acordo com a Igreja e as leis russas, o marido tinha o direito de "ensinar" sua esposa, mas isso não deveria ser feito "por maldade", torturando e ameaçando sua vida. Segundo os conceitos russos, “ensinar” significava "espancamento simples”, enquanto "espancamentos insuportáveis e mortais” eram considerados crimes.
Se a mulher acreditasse que seu marido estava tentando matá-la, ela apresentava uma queixa ao tribunal. O número de queixas assim em fontes históricas russas é enorme.
As mulheres geralmente compareciam ao tribunal sozinhas ou eram intercedidas por parentes de sexo masculino.
Como as mulheres lidavam com a violência?
As mulheres que tinham pai ou irmãos vivos raramente se tornavam alvos de violência doméstica.
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Era muito fácil matar uma pessoa na Rússia pré-petrina. Mas como as mulheres sobreviviam sem parentes vivos e influentes?
A opção mais fácil era fugir. Na maioria das vezes, as esposas fugiam para sua família, a fim de recorrer pessoalmente aos parentes e fazer uma petição contra o marido.
Elas escreviam que o marido estava atentando contra sua vida, o que era reconhecido como motivo oficial para divórcio e julgamento. Às vezes, as mulheres fugiam para outros países.
Em 1646, por exemplo, a esposa de um nobre da cidade de Putivl fugiu para a Lituânia, deixando sua mãe e filhos, e voltou apenas quando soube que o marido tinha morrido.
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Outra opção era fugir para o mosteiro. Pedir proteção ao bispo, ao hegúmeno e à comunidade monástica em geral, especialmente à comunidade feminina, era um meio eficaz.
Muitas mulheres que fugiam da violência doméstica viviam em mosteiros, assim como mulheres que tinham sido tonsuradas à força por seus maridos — que encontravam nessa ação uma solução para poderem se casar com outra mulher.
A terceira opção era culpar o marido de um crime de Estado, ou seja, informar os policiais que o marido estava planejando matar o soberano ou fugir para o exterior. Esse tipo de acusação, mesmo contra uma pessoa inocente, na maioria dos casos, terminava em morte por tortura do detido.
No entanto, era importante provar a acusação — por exemplo, preparar cartas falsas ou encontrar uma testemunha que, sob tortura, também mostrasse que o marido realmente fugiria para o exterior ou mataria o tsar. Caso contrário, a pena de morte aguardava a mulher e todos os que tivessem assinado seu depoimento.
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A quarta opção era recorrer ao tribunal. No entanto, apenas mulheres ricas e com parentes e amigos influentes escolhiam essa opção, já que, por padrão, os tribunais decidiam esses casos em favor do marido.
A quinta e última opção era assassinar o marido. O homicídio doloso (intencional) levava à pena de morte sendo enterrado vivo. Assim, as mulheres muitas vezes tentavam provar que o assassinato não tinha sido intencional (homicídio culposo).
Segundo a historiadora Nada Boszkowska, na cidade de Kozlov, em 1647, foram detidos uma mulher, chamada Akulina, e seu genro, Serguêi. Eles tinham matado o marido de Akulina, um nobre de nome Artémi Kutchenev, e jogado o cadáver em um rio.
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O filho do homem assassinado tinha denunciado a madrasta, mas ela testemunhou que Artémi tinha estuprado sua filha do primeiro casamento, que só tinha oito anos.
Além disso, o marido já tinha matado suas duas primeiras esposas e estuprado seus filhos — e por isso Akulina decidira matá-lo. Apesar da intrigante história contada por Boszkowska, a decisão do tribunal é desconhecida.
Violência doméstica contra homens
A violência doméstica contra os homens também existia na Rússia, embora tais casos fossem raros — pelo óbvio motivo da disparidade de forças.
Na maioria dos casos, as mulheres assassinavam seus maridos para ficar com sua propriedade. Em 1625, a mulher de Dmítri Eremeev tentou esfaqueá-lo na sauna e, em seguida, tentou matá-lo com uma estaca de madeira, mas o homem sobreviveu. No julgamento, ela desculpou-se dizendo que era “louca” e foi punida com chicotes.
Um militar da cidade de Ustiug relatou que sua esposa tentara estrangulá-lo durante o sono e depois ameaçara matá-lo com a ajuda de bruxaria.
A esposa de um pintor de ícones de Kursk convenceu três homens a matarem seu marido durante o sono. Todos foram detidos.
No entanto, na maioria dos casos, as mulheres que queriam ficar "viúvas" preferiam recorrer não ao assassinato direto, mas à calúnia dos maridos em crimes de Estado ou feitiçaria, preparando com antecedência testemunhas e documentos falsos.
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