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Por que os russos insistem em comer as saladas Olivier e mimosa na véspera de Ano Novo?

Andrey Nikitin / Getty Images
E como é que o arenque sob casaco de pele, as tangerinas e o “champanhe” soviético apareceram na mesa de Natal?

Salada Olivier, Mimosa, “chuba” (arenque sob casaco de pele), kholodets (gelatina de carne), tangerinas e ‘champanhe’ soviético – esta é a aparência típica de uma mesa festiva de Ano Novo na Rússia e praticamente em todo o espaço pós-soviético. Vendo hoje, parece que sempre foi assim. Mas, na verdade, essa combinação gastronômica só tomou forma em meados do século 20, quando a busca por um feriado laico, a escassez de alimentos e a criatividade popular convergiram.

Pratos pré-revolucionários sob nova perspectiva

Antes da Revolução de 1917, a véspera de Ano Novo era um feriado secundário depois do Natal e não havia pratos especiais para a sua celebração. No entanto, entre os ricos de Moscou e São Petersburgo, era moda oferecer banquetes suntuosos nessa noite. O menu incluía itens como ostras importadas, frutas caras, aperitivos refinados e a famosa salada do chef Lucien Olivier em sua versão original – com perdiz, caudas de lagostim e molho provençal.

Festa de Ano Novo em 1935
Arquivo de Viktória Avérkina

Depois da revolução, os bolcheviques começaram a combater os resquícios do passado: o Natal e o Ano Novo “burgueses” foram proibidos. Um feriado de inverno secular e familiar só surgiu na URSS na década de 1930: festas com a “iolka” (árvore de Ano Novo) eram organizadas para crianças, e recomendações para a decoração da mesa de Ano Novo eram publicadas para adultos. Muitas dessas ideias eram apresentadas no principal almanaque culinário da URSS – "Knigue o vkusnoi i zdorovoi pische” (“O Livro da Comida Saborosa e Saudável”), onde iguarias gastronômicas da Rússia tsarista adquiriram um toque soviético. As principais mudanças ficaram ainda mais perceptíveis nos anos do pós-guerra.

Por exemplo, o protótipo do “arenque sob um casaco de pele” foi provavelmente um aperitivo do restaurante moscovita Rossiya feito com truta, beterraba e molho provençal com anchovas. Esse prato foi, inclusive, servido na coroação de Alexandre 3º. Porém, ele chegou ao conhecimento do cidadão comum já com o arenque — a um preço mais acessível. Segundo uma versão, o autor da “versão proletária” da salada foi o dono de taverna de Moscou Anastas Bogomilov, que combinou ingredientes “vermelhos” e “brancos” para que seus clientes não discutissem sobre política.

Quanto à “salada burguesa” Olivier, os chefs soviéticos substituíram a carne de galo-silvestre por linguiça, as alcaparras foram trocadas por ervilhas em conserva, e o molho provençal virou maionese. O resultado foi uma salada mais popular, com ingredientes baratos.

Luxo acessível

Boris Kaváchkin / Sputnik

Na época soviética, a véspera de Ano Novo se tornou o principal feriado familiar. Com isso, muitos se esforçavam para colocar apenas o melhor sobre a mesa.

Na década de 1960, as tangerinas se juntaram à salada Olivier e à “chuba” na ceia. O primeiro carregamento dessas frutas chegou à URSS vindo do Marrocos em 1963, bem a tempo para a véspera de Ano Novo. Elas eram praticamente as únicas frutas frescas e relativamente acessíveis na época, então, nos anos seguintes, as tangerinas garantiram seu lugar na mesa soviética.

A outra salada de Ano Novo também muito conhecida – a mimosa – tem origem incerta. Sabe-se apenas que sua receita apareceu em revistas e jornais na década de 1970, tornando-se popular. Afinal, assim como em outras saladas de Ano Novo, podiam ser usados ​​ingredientes simples, baratos e substanciosos – peixe enlatado, ovos, cenouras, maionese etc.

Mesa festiva de Ano Novo na família de Aleksandr Guskov, engenheiro do instituto de projetos “Giprotis” de Moscou, vinculado ao Comitê Estatal de Construção da URSS
Boris Kaváchkin / Sputnik

Todos também se esforçavam para colocar o “champanhe” soviético na mesa. O vinho espumante era produzido na Rússia desde o século 19 e, em meados da década de 1930, os cientistas soviéticos desenvolveram uma tecnologia acelerada de “champagneização”, resultando em uma bebida barata e festiva.

Cultura cinematográfica

A televisão também desempenhou um papel significativo na formação do cardápio de Ano Novo. Os telespectadores locais viram pela primeira vez um banquete com “champanhe” soviético e frutas no filme “Noite de Carnaval”, de 1956.

Cena de “Noite de Carnaval”
Eldar Riazanov/Mosfilm, 1956

Os clássicos da mesa de Ano Novo também estão presentes em ‘A Ironia do Destino’ (1975): tangerinas, “champanhe” soviético, saladas, frios — e até mesmo peixe em gelatina.

Cena de “Ironia do Destino”
Eldar Riazanov/Mosfilm, 1976

Também não se pode esquecer do tradicional programa de TV ‘Luz Azul’, que ia ao ar todas as vésperas de Ano Novo desde 1962.

Cosmonautas no programa de TV “Luz Azul” em 1969
Vassili Egorov, V.Schegolev / TASS

Sem falar das inúmeras receitas em revistas que as pessoas usavam pelo país – de Perm a Smolensk e Khabarovsk. 

Mesa tradicional russa de Ano Novo: saladas e frios
M-Production / Getty Images

Assim, pouco a pouco foi surgindo uma norma não escrita e unificada para a disposição da mesa durante as festas de Ano Novo, que, em sua maior parte, ainda é seguida nos dias de hoje.

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