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O segredo por trás das muralhas do Kremlin de Moscou
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De longe, o Kremlin de Moscou parece majestoso: suas torres com estrelas vermelhas, seus merlões de “cauda de andorinha”, sua antiga alvenaria – vermelho brilhante, tão nova.
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Aproximamo-nos das muralhas históricas – e, ainda assim, a alvenaria parece perfeitamente preservada. Vermelhos e uniformes, nem um único tijolo sobressai das fileiras pares.
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Chegamos ainda mais perto e vemos que os tijolos da famosa parede do Kremlin de Moscou estão – literalmente pintados! Os tijolos vermelhos e o rejunte branco-acinzentado nada mais são do que linhas desenhadas em uma superfície sólida em relevo semelhante ao gesso.
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Como assim? Alguém anda pintando tijolos na muralha do Kremlin de Moscou? Sim, regularmente, pois a tinta tende a desbotar. Não há segredo nisso – circulam na internet várias fotos de operários pintando alvenaria nas muralhas à luz do dia.
Рабочие рисуют кирпичи на кремлевской стене #постмодернизм pic.twitter.com/CWh1Z8Tk7L
— Pavel Pryanikov (@netovetz) May 1, 2016
A muralha do Kremlin de Moscou é, sim, feita de tijolos. Mas a maioria de suas partes externas são rebocadas e pintadas, com tijolos desenhados à mão. Essa prática de pintar o Kremlin existe há muito tempo e, dependendo da época, teve características diferentes.
Como o Kremlin de Moscou foi pintado
A muralha do Kremlin de Moscou foi construída pelos italianos no final do século 15, sob o comando de Ivan 3º. Inicialmente, a fortaleza serviu mesmo como uma fortificação – protegendo de constantes invasões e guerras. Tinha a cor natural dos tijolos vermelhos e ninguém teve a menor ideia de mudá-la até 1680. Em primeiro lugar, por razões de segurança: se uma bala de canhão atingisse a parede, a cal seria desfeita, revelando a alvenaria vermelha – um ponto vulnerável para mirar novamente.
No entanto, em 1680, surgiu a primeira evidência documental de que o Kremlin de Moscou era pintado de branco.
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O historiador Bartenev, no livro ‘O Kremlin de Moscou nos velhos tempos e agora’, escreve como, em um memorando enviado ao tsar em 7 de julho de 1680, foi feita a seguinte pergunta: “Devemos caiar as paredes do Kremlin, deixá-las como estão ou pintá-las como tijolos, como o Portão Spasskaya?” Na época, as muralhas e torres do Kremlin de Moscou haviam perdido seu valor de fortificação e foram caiadas com cal. Na prática, foi uma declaração política: Moscou não tinha mais medo de invasões, do jugo mongol-tártaro ou de qualquer outro indivíduo. Na ocasião, muitos outros kremlins russos também foram embranquecidos – o Kremlin de Rostov, o Kremlin de Novgorod, o Kremlin de Kazan etc.
Depois disso, o Kremlin de Moscou foi pintado de branco por vários séculos. Napoleão, quando atacou Moscou em 1812, presenciou o Kremlin de Moscou branco. Depois de incendiado, foi restaurado e pintado de branco novamente. Apenas torres nem sempre eram brancas – como a Spasskaya, a Nikolskaya e a Troitskaya, que às vezes eram deixadas vermelhas ou pintadas de vermelho e branco para fins decorativos.
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O Kremlin de Moscou entrou no início do século 20, segundo o escritor Pável Ettinger, com “pátina de cidade nobre”: às vezes, pintado de branco para eventos significativos, mas, na maioria do tempo, a cidadela se apresentava irregular e com listras, com “úlceras” de tijolo vermelho – embora isso quase não preocupasse ninguém.
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O Kremlin de Moscou foi radicalmente repintado durante a Segunda Guerra Mundial, o que se tratou de uma decisão forçada. Mais precisamente, tinha que ser escondido: camuflado de tal forma que, para um bombardeiro alemão, parecesse um bairro normal da cidade.
De acordo com o projeto do acadêmico Boris Iofan, paredes de casas e buracos negros das janelas foram pintados nas muralhas brancas do Kremlin de Moscou; ruas artificiais foram construídas na Praça Vermelha e o Mausoléu de Lênin foi coberto com compensado com a imagem de uma mansão comums. A camuflagem funcionou: o Kremlin de Moscou “desapareceu” e ficou invisível para quem tentava localizá-lo pelo ar.
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Mas, após a guerra, a fortaleza precisava de uma reconstrução em larga escala. Na época, a celebração do aniversário de 800 anos de Moscou se aproximava. Essa reconstrução ocorreu entre 1946 e 1950. Detalhes de pedra e tijolo em ruínas foram substituídos por novos, embora feitos a partir de amostras dos séculos 17 a 19. A alvenaria histórica e seus acréscimos posteriores foram mais uma vez complementados ao longo de todo o seu perímetro de dois quilômetros com tijolos novos, fabricados na URSS durante esse período. Paralelamente, por decisão de Stálin, o Kremlin de Moscou e sua muralha foram repintados com a cor vermelha – ideologicamente apreciada pelos comunistas.
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Desde então, a muralha foi restaurada diversas vezes, e algumas de suas partes tiveram de ser reconstruídas do zero. Esse trabalho está em andamento contínuo. “Uma série de fatores continuam a impactar negativamente as muralhas do Kremlin de Moscou. Vivemos nas condições do inverno russo. A água que penetra nos poros dos tijolos danifica a parte externa”, explica Serguêi Deviatov, doutor em Ciências Históricas e assessor do diretor do Serviço Federal de Proteção da Rússia.
No final da década de 1990, segundo Deviatov, a alvenaria encontrava-se em péssimo estado e, por isso, foi preservada com uma solução especial – protegendo os tijolos da precipitação atmosférica, do ambiente externo e da exposição à pintura.
No entanto, ainda é importante que a muralha do Kremlin de Moscou mantenha uma “aparência apresentável”. É por isso que, hoje em dia, são pintadas com uma tinta vermelha fosca de vez em quando – para manter sua cor de tijolo sempre saturada.
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