
O que está acontecendo na pintura “Os Bogatires”?

“Os Bogatires” é uma das pinturas russas mais famosas no mundo e sua criação levou mais de 18 anos.
A obra foi finalizada em 1898 e depois imediatamente comprada pelo filantropo Pável Tretiakov, fundador da galeria mais famosa do país. Até hoje, o quadro pode ser visto na galeria Tretiakov, no centro de Moscou.
Durante a era soviética, as reproduções dessa pintura eram tão populares que “Os Bogatires” se tornaram um elemento da cultura pop e um arquétipo russo na consciência coletiva. Os contos épicos sobre os bogatires, guerreiros antigos com superpoderes, são conhecidos por todos na Rússia desde a infância.
Quem está retratado na pintura?
Contos sobre bogatires estão entre as histórias de ninar favoritas de todos os meninos e meninas russos. A palavra “bogatir” não é de origem russa, e foi tomada emprestada das línguas túrquicas, em que ‘*baɣatur’ significa “herói”, “guerreiro” ou “comandante de guerra”. Nas terras russas, esses guerreiros notáveis eram chamados de “khrabr” (храбр, “bravo”), “vitiaz” (витязь, “guerreiro”) ou “molodets” (“молодец”, “jovem”). Entre os mongóis-tártaros, os principais guerreiros eram chamados de “bogatires”, e os russos adotaram esse nome para seus heróis para destacar que eles eram tão fortes quanto os bogatires mongóis. Assim, nos contos russos, os heróis também eram chamados de bogatires.

No quadro de Vasnetsov é possível ver os três heróis míticos montando cavalos fortes e felpudos. Os antigos superheróis russos em cota de malha e capacetes olham para longe, examinando os arredores para ver se há algum inimigo por perto. Vasnetsov escreveu que “os heróis estão em uma jornada heróica olhando para o campo para ver se há um inimigo, se alguém está sendo injuriado em algum lugar”. Os bogatires retratados são Dobrínia Nikititch (à esquerda), desembainhando sua espada, pronto para avançar para a batalha; Iliá Muromets (no centro) com uma lança e uma clava, o principal herói épico da Rússia Antiga, protetor destemido das terras russas e um fiel servo do príncipe Vladimir; e Aliôcha Popovitch (à direita), o mais novo dos três, com um arco nas mãos.
Iliá Muromets (no centro) é o mais famoso de todos os bogatires russos. Ele é considerado o “protetor das terras russas”. Sua história, contada em várias “bilinas”, ou seja, canções épicas dedicadas a eventos históricos ou pseudo-históricos do passado russo, é arquetípica para a Rússia. Em seus primeiros 33 anos de vida, Iliá não conseguia andar por causa de uma doença desconhecida. Certa vez, quando estava sozinho em casa, três viajantes apareceram pedindo água. “Não consigo me mexer”, disse Iliá, mas os peregrinos insistiram para que ele se levantasse e fosse buscar água. Inesperadamente, Iliá se levantou e trouxe um balde de água. Os anciãos o instruíram a beber daquela água e assim ele se curou. Depois, Iliá sentiu um enorme poder e viajou a Kiev para ajudar o príncipe Vladímir a proteger as terras russas.

Segundo as bilinas, Dobrínia Nikititch (à esquerda) e Aliôcha Popovitch (à direita) lutaram contra serpentes malignas: Dobrínia luta contra a Zmei Gorinitch, enquanto Aliôcha, contra Tugarin Zmei. Os dois protegem o povo russo e são irmãos. Ambos os bogatires também são descritos como cultos: Dobrínia fala 12 idiomas e Aliôcha toca gusli, uma espécie de cítara eslava (na pintura, pode-se ver o gusli pendurado nas costas de Aliôcha, à direita).
O acadêmico Ivan Pavlov, Nobel de Fisiologia e Medicina, que era especialista não apenas em fisiologia humana, mas também um colecionador de arte, caracterizou o quadro da seguinte forma: “Vasnetsov descreveu lindamente os três temperamentos. Iliá Muromets é reservado, lento para se levantar, ele olha para o inimigo apenas para seguir em frente. Dobrínia Nikititch é impulsivo, avança sem pensar e vai direto para a batalha. Aliôcha Popovitch já percebeu tudo, sabe que há perigo e está pensando na melhor forma de contorná-lo”.
Como surgiu a ideia da pintura
Vasnetsov fez os primeiros esboços da futura pintura na década de 1870. Uma inspiração inesperada veio a ele na oficina de seu colega e famoso pintor russo Vassíli Polenov.
A maioria dos artistas contemporâneos de Vasnetsov no final do século 19 preferia criar obras dedicadas às cenas da vida dos camponeses. Vasnetsov, porém, só se dedicava à ilustração de contos folclóricos russos. Depois de se formar na Academia de Artes, ele se mudou para Moscou. Junto com outros artistas, Vasnetsov viajou para a propriedade de Abramtsevo, nos arredores da cidade, para visitar o filantropo e empresário Savva Mámontov. Este apoiava jovens pintores, ofereceu abrigo a Vasnetsov e lhe deu total liberdade criativa. Foi em Abramtsevo que Vasnetsov viu e esboçou o campo que serviu de pano de fundo para “Os Bogatires”.

Foi na propriedade de Mámontov que se deu parte significativa dos trabalhos na pintura. Para essa obra enorme — de 3 metros por 4 metros —, o celeiro foi convertido em oficina para Vasnetsov. Acredita-se que os traços do rosto de Aliôcha Popovitch se assemelhem aos do filho de Savva Mámontov, Andrei.

Por que demorou tanto para pintar o quadro?
Vasnetsov considerava essa pintura seu “dever criativo, uma obrigação para com seu povo nativo”. Porém, o trabalho durou quase 20 anos. Houve longas pausas, Vasnetsov pintou a Catedral de Vladimir em Kiev ou se distraiu com outras encomendas.

Durante esse período, Vasnetsov desenhou bogatires e cavalos felpudos em outras obras, como “O Cavaleiro na Encruzilhada” (1882) e “Após a Batalha de Igor Sviatoslavich com os Polovtsianos” (1880).

Simultaneamente, Vasnetsov fez inúmeros esboços de cota de malha, cavalos e paisagens para “Os Bogatires”. Tentando encontrar as melhores expressões faciais para seus personagens, pintou ao vivo uma grande variedade de pessoas comuns. O mais difícil foi encontrar alguém para ser o protótipo de Iliá Muromets. Vasnetsov desenhou um ferreiro em Abramtsevo, um cocheiro em Moscou, e um camponês da região da cidade de Vladimir, Ivan Petrov.

A ideia de Vasnetsov não era apenas criar uma “ilustração de livro” em grande escala, mas que, sobretudo, incorporasse verdadeiramente as imagens folclóricas.
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