O que está acontecendo no quadro “Bobos da corte de Anna Ioánnovna”, de Valéri Jacobi?
Todas as manhãs na corte da imperatriz Anna Ioánnovna, que governou a Rússia entre 1730 e 1740, começavam da mesma maneira. Bobos da corte e nobres próximos vinham aos seus aposentos para contar os últimos acontecimentos e entretê-la. Quando não se sentia bem, a imperatriz passava o dia inteiro na cama, simplesmente observando as palhaçadas dos bufões.
A tradição de ter bufões na corte dos tsares russos é muito antiga. Ser um bobo da corte profissional nunca foi uma ocupação fácil, os bufões tinham que equilibrar entre a diversão e o perigo de cair em súbito descrédito por falar a verdade de forma demasiadamente sincera. Nem sempre os cargos de bobos da corte eram ocupados por pessoas comuns, havia também representantes da nobreza entre eles. Por exemplo, Ivan, o Terrível, fez o príncipe Gvozdev da cidade de Rostov, apelidado de Osip Gvozd, um de seus bufões. Essa tradição só cessou no final do século 18.
Mania europeia
Durante o reinado da imperatriz Anna Ioánnovna (também conhecida como Ana 1ª da Rússia em português), a vida na corte russa era extremamente luxuosa. Ela seguia à moda europeia e surpreendia todos com a extravagância e o desperdício. A imperatriz convidava óperas e balés italianos, trupes de teatros alemães e orquestras, e organizou diversos bailes, festas e celebrações.
Anna adorava bobos da corte e podia passar dias inteiros no quarto cercada por eles. É exatamente um desses momentos que foi retratado pelo artista Valéri Jacobi (1842–1913) em seu quadro “Bobos da Corte de Anna Ioánnovna”.
Na pintura não há pessoas aleatórias, todos os 26 personagens são reconhecíveis. A imperatriz doente está na cama e é tratada com um remédio comprovado — entretenimento. O favorito de Anna Ioannovna, duque da Curlândia, Ernst Johann Biron, está sentado na cadeira perto da cama. Atrás dele vê-se o chefe da chancelaria secreta, o conde Andréi Uchakov.
Ao lado de Biron está a grã-duquesa Anna Leopóldovna, que, após a morte da imperatriz, se tornaria a regente de seu filho Ivan 6º. O conde Burkhard Munnich e o príncipe Nikita Trubetskoi, de pé atrás da mesa de jogo, estão sussurrando sobre algo. Já o ministro do Gabinete Artémi Volínski permanece paralisado na entrada do quarto — e claramente não aprova o que está acontecendo.
Todos os dias
Os personagens principais da pintura são os sete bobos da corte, cada um com sua própria história.
O italiano Pietro Mira, chamado de Pedrillo na Rússia, está tocando violino; ele era um dos favoritos da imperatriz, entretinha-a tocando instrumentos musicais e jogava cartas com ela.
No centro da sala, o artista retratou um jogo de saltos, com a participação do nobre príncipe Mikhail Golítsin, que está curvado. Como punição por se casar com uma católica, Anna fez dele um bobo da corte e ordenou que ele lhe servisse kvass [bebida fermentada muito popular na Rússia], motivo pelo qual recebeu o apelido de “Kvasnik”.
Outro nobre, o príncipe Nikita Volkónski, salta sobre ele. Sua esposa Agrafena foi acusada de intrigas na corte e então enviada para o exílio. Volkónski foi feito bobo da corte e recebeu a ordem de cuidar do cachorro de Anna. Depois de anos vivendo assim, ele enlouqueceu e morreu.
Em uma camisola listrada amarela e um chapéu com penas, Ivan Balakirev salta acima de todos. Ele serviu ao imperador Pedro 1º, o Grande, mas se tornou um bobo da corte durante o reinado de Anna Ioánnovna.
No chão, em frente deles, está o conde Aleksêi Apráksin, que virou bobo da corte por ter se convertido ao catolicismo.
Ao seu lado aparece o bufão D’Acosta, que segura um chicote com uma bolha na ponta. Como Balakirev, ele serviu sob o comando de Pedro, o Grande, e falava perfeitamente seis idiomas.
O último bobo da corte é uma mulher calmuque, chamada Avdótia Bujenínova, que está vestida em roupas coloridas e sentada em uma pele de urso ao lado da cama da imperatriz.
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