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O que está acontecendo na pintura “O Sogro”, de Vladímir Makôvski?

Por trás dessa cena aparentemente simples, esconde-se uma das práticas mais controversas entre os eslavos orientais, difundida desde os tempos antigos até o início do século 20 — o “snokhátchestvo”, ou seja, as relações íntimas entre sogro e nora. O pintor Vladímir Makôvski revela, em detalhes sutis, o drama da chocante tradição rural antiga que, por séculos, desafiou as leis, a Igreja e a moral.

No centro de uma isbá (habitação típica do campesinato russo) modesta e apertada está uma jovem camponesa. Ela segura um koromíslo — uma haste de madeira usada para carregar baldes de água nos ombros. Aos seus pés, dois baldes vazios indicam que ela se preparava para buscar água. Mas foi interrompida por seu sogro – o pai de seu marido.

Museu Russo, São Petersburgo

O sogro está próximo da nora, com a mão direita na cintura dela. Essa proximidade claramente incomoda a moça – seu rosto revela constrangimento e desagrado. Ainda assim, fica evidente que a jovem é tratada com certo cuidado ou carinho pela família: mesmo com a simplicidade da casa, ela veste um sarafan (vestimenta folclórica de verão) elegante, um elaborado adorno de cabeça, brincos nas orelhas e colares em volta do pescoço.

A cena é testemunhada por um jovem camponês que entra na casa naquele momento. É o marido da moça e filho do sogro. A julgar pelas roupas e pela sacola, ele está voltando para casa após um bom tempo. O jovem claramente suspeita do que estava acontecendo entre sua esposa e seu pai.

Uma realidade incômoda retratada com franqueza

O pintor Vladímir Makôvski (1839-1915) era membro do grupo Peredvíjniki, ou Itinerantes – artistas russos do século 19 conhecidos por retratar a realidade sem idealizações. Em vez de embelezar a vida rural, os Peredvíjniki buscavam expor seus aspectos mais duros e sombrios. A obra "O Sogro”, de 1888, é um ótimo exemplo desse estilo.

O tema da pintura revela o que se chama de “snokhátchestvo” – prática tradicional entre os povos eslavos (principalmente russos, ucranianos, bielorrussos, búlgaros e sérvios), difundida desde os tempos antigos até o início do século 20 e comum em algumas pequenas localidades rurais, na qual o chefe de uma grande família camponesa que vivia sob o mesmo teto mantinha relações sexuais com a nora, esposa do filho.

Museu Russo, São Petersburgo

Presume-se que, originalmente, antes da cristianização da Rússia, essa prática tenha sido uma forma de união poliândrica, na qual uma mulher tinha dois maridos — sendo que um deles era filho do outro. Após a adoção do cristianismo, “snokhátchestvo” passou a ser considerado incesto pela Igreja Ortodoxa Russa e inadequado pela comunidade rural. Legalmente, era considerado uma forma de estupro e punido com quinze a vinte chicotadas. No entanto, a prática continuou a existir de forma marginalizada durante séculos nas aldeias russas.

Tradição, ausência e submissão

As razões para a difusão desse costume devem ser buscadas em um conjunto de fatores, alguns dos quais eram específicos da realidade russa.

Muitos casamentos camponeses, desde a Idade Média até o século 19, eram arranjados entre famílias, sem envolvimento afetivo. Em determinadas situações, o noivo podia ser significativamente mais jovem que a noiva — às vezes, ainda uma criança — e o sogro acabava assumindo o papel de “marido de fato” da recém-casada.

Museu Russo, São Petersburgo

Além disso, o serviço militar obrigatório, que podia durar de 20 a 25 anos, separava os casais por longos períodos, e embora a esposa tivesse o direito de acompanhar o marido, muitas vezes preferia ficar na aldeia, sobretudo quando a família precisava de mão de obra adulta.

Outro fator relevante era o chamado “trabalho fora”: uma prática comum em que camponeses deixavam temporariamente suas vilas para trabalhar em outras regiões do Império Russo. Esses trabalhadores sazonais, conhecidos como “otkhôdniki”, ficavam meses ou anos longe de casa, e sua ausência ampliava a vulnerabilidade das mulheres jovens.

Mesmo quando o marido estava presente, isso não impedia a aproximação do sogro: era comum que os recém-casados vivessem sob o mesmo teto que os pais do noivo, e a nora, em posição de dependência, nem sempre conseguia se impor diante da figura dominante da família.

É justamente esse drama silencioso que a pintura “O Sogro”, de Vladímir Makôvski, nos apresenta com tamanha eloquência e inquietação.

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