O que está acontecendo na pintura “A Avaliação da Noiva”, de Grigóri Miasoiédov?

Grigóri Miasoiédov, Museu Russo
Grigóri Miasoiédov, Museu Russo
Ao representar o ritual camponês da avaliação da noiva, o artista russo do século 19 quis chamar a atenção para a posição vulnerável da mulher nas aldeias russas. Para isso, Miasoiédov recorreu a uma interpretação deliberadamente mais dura do que aquela praticada na realidade.

Grigóri Miasoiédov foi um dos fundadores dos Itinerantes, também conhecidos como a Sociedade das Exposições de Arte Perambulantes — uma união de artistas cujo objetivo era refletir a realidade de maneira verdadeira, frequentemente com elementos de crítica social. Um dos temas centrais dessas obras era o cotidiano e tradições dos camponeses russos. Os artistas consideravam seu dever lançar luz sobre os aspectos pouco atraentes e dolorosos da vida camponesa.

Iliá Répin/Galeria Tretiakov Retrato do artista Grigóri Miasoiédov, por Iliá Répin, 1886
Iliá Répin/Galeria Tretiakov

Esse foco se encaixa perfeitamente na pintura de Miasoiédov “A Avaliação da Noiva”, também traduzida para português como “Smotríni da Noiva”, criada na década de 1860. A obra retrata um dos elementos do noivado. Entre os séculos 16 e 19, os casamentos camponeses eram celebrados menos por amor e mais por acordo ou acerto entre os pais do noivo e da noiva. A jovem precisava ser trabalhadora, bonita, saudável, bem-educada e ter renda familiar. Assim que os pais do noivo fizessem sua escolha, enviavam os casamenteiros — que podiam ser seus padrinhos, parentes mais velhos ou uma pessoa respeitada da aldeia. Esse processo de avaliação da possível noiva era chamado de “smotríni” na Rússia.

Grigóri Miasoiédov, Museu Russo
Grigóri Miasoiédov, Museu Russo

Nesta obra, o espectador vê uma casa de camponês espaçosa, com pé direito alto. No centro, está a moça nua. A luz da janela incide sobre sua figura, destacando-a como o principal objeto de atenção. Do outro lado, no banco sob a janela, estão as convidadas – parentes do noivo e a casamenteira. As suas roupas elaboradas e sobrepostas contrastam com a nudez da noiva. Elas observam atentamente a jovem, com um olhar crítico.

Grigóri Miasoiédov, Museu Russo
Grigóri Miasoiédov, Museu Russo

De um lado, o artista destaca e até idealiza a beleza da vida camponesa: a sala clara e bem arrumada, os trajes complexos das mulheres. Por outro, ele exalta a humilhação do ritual: os futuros parentes avaliam e inspecionam a noiva como se fosse um animal ou um objeto inanimado, como uma mercadoria.

Com esta pintura, Miasoiédov pretendia mostrar a verdade implacável sobre a vida camponesa, o que se encaixava perfeitamente na concepção artística dos Itinerantes. Exceto por um detalhe: os camponeses nunca despiam as noivas durante o ritual de avaliação.

Grigóri Miasoiédov, Museu Russo
Grigóri Miasoiédov, Museu Russo

“Sem dúvida, o smotríni não era um encontro romântico, mas uma etapa importante do contrato de casamento entre duas famílias. O objetivo do ritual era avaliar as habilidades domésticas da noiva, como sua capacidade de fiar, tecer, bordar; sua saúde e capacidade de trabalho, para descartar sinais de doenças ou deficiência; estudar seu caráter e comportamento, como modéstia, respeito aos mais velhos, clareza mental, forma de falar, além da situação financeira da família”, explica o folclorista Andréi Moroz.

Grigóri Miasoiédov, Museu Russo
Grigóri Miasoiédov, Museu Russo

Em algumas regiões russas, as casamenteiras e parentes do noivo costumavam ir junto com a possível noiva à bânia, tradicional sauna, onde se podia ver a noiva nua. Mas as parentes do noivo também não permaneciam vestidas na bânia.

O tradicional ritual de avaliação da noiva camponês era rigorosamente regulamentado, inclusive pelas normas morais. A nudez completa contradizia a todos os cânones da vida rural, por isso não fazia parte do costume. Assim, Miasoiédov exagerou a situação para fortalecer a mensagem e aumentar o protesto social contra a opressão das mulheres da época.

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