O que está acontecendo na pintura “Zelador Entrega o Apartamento à Senhora”, de Vassíli Perov?
Nesta obra pouco conhecida, mas incrivelmente expressiva, o pintor russo revela a tensão social e emocional da Rússia pós-abolição da servidão, transformando uma simples cena cotidiana em um comentário profundo sobre status, vergonha e transformação histórica.
O artista Vassíli Perov ganhou fama em 1857, depois de apresentar ao público a pintura “A Chegada do Chefe de Polícia para o Inquérito”. Segundo os críticos, suas obras de gênero transmitiam com precisão e ironia a vida de diferentes camadas sociais.
Em 1864, após uma viagem de dois anos pela Europa, Perov apresentou um novo trabalho, “Zelador Entrega o Apartamento à Senhora”.
Um homem descalço, vestindo uma camisa simples e claramente embriagado, grita com duas mulheres — ao que tudo indica, mãe e filha. Ele é retratado na porta de casa, fazendo caretas e se coçando, e a senhora precisa levantar a cabeça para prosseguir com a conversa desagradável. Sua filha, confusa, vira o rosto e aperta o lenço nas mãos. A situação é, obviamente, dolorosa para ela.
Para entender de onde surgiu esse enredo, é importante prestar atenção ao período em que a obra foi criada — entre 1864 e 1865. Poucos anos haviam se passado desde a abolição da servidão na Rússia. Muitos proprietários rurais faliram, incapazes de administrar suas terras como antes. Restava-lhes vender as propriedades e, quando o dinheiro acabava, buscar um meio de sustento por conta própria. Também era preciso mudar de residência, passando a viver em acomodações mais modestas. É provável que tenha sido exatamente isso que aconteceu com as protagonistas da obra de Perov.
Saiba o seu lugar
Aparentemente, a senhora e sua filha chegaram procurando um lugar para morar em um prédio de aluguel em algum bairro periférico da cidade. Antes da Revolução, os primeiros andares desses edifícios eram destinados a lojas, enquanto no segundo e no terceiro viviam inquilinos mais abastados. Quanto mais alto o andar, menor o status e o nível de renda dos moradores. Parece que as mulheres, agora empobrecidas, não podem esperar nada além de um quartinho no sótão. Por isso, o zelador aponta com a mão para cima.
Zeladores eram pessoas importantes nas cidades russas; eles não apenas cuidavam da limpeza do pátio, mas também exerciam a função de administrador do prédio, entregavam chaves, controlavam os inquilinos, coletavam os pagamentos, e levavam os passaportes dos moradores à polícia para registro.
Assim, duas senhoras que estão à porta do zelador, acima da qual se pode ver a inscrição ‘Кадворнику’ (com erro ortográfico, significando ‘Ao Zelador’), se veem obrigadas a tolerar a postura rude do zelador, que até pouco tempo atrás tinha sido provavelmente um servo e que agora lhes dizia onde devem morar.
Em 1878, Perov pintou uma segunda versão da obra, retratando as protagonistas ainda mais empobrecidas, e o zelador, ainda mais repulsivo.
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