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Como um camponês da Carélia se tornou o principal criador dos ovos Fabergé?

Kira Lissítskaia (Foto: Museu Fabergé; Domínio público)
O mais valorizado especialista da empresa Carl Fabergé, Mikhail Pérkhin, foi o único joalheiro ortodoxo de origem russa. Ao longo de 15 anos de trabalho, sua oficina criou cerca de 20 mil peças de joalheria, entre elas, os famosos ovos de Páscoa.

Mikhail Pérkhin nasceu em uma rica família rural na vila careliana de Okúlovskaia em 22 de maio de 1860. Aos 16 anos, seu pai morreu, e o jovem acabou ficando com a responsabilidade de cuidar da mãe, da irmã e do irmão mais novo. Mikhail, como muitos outros jovens das aldeias na época, foi para São Petersburgo para fazer dinheiro. Segundo as memórias de um dos mestres da Fabergé, o suíço Franz Birbaum, Pérkhin não tinha experiência de trabalho e chegou analfabeto a São Petersburgo.

Mikhail Pérkhin
Domínio público

O jovem Pérkhin se tornou então aprendiz de Vladímir Fínikov, o principal joalheiro da renomada empresa russa “Bolin”. Os produtos da marca eram fornecidos à Corte Imperial, incluindo, por exemplo, as famosas tiaras e parures das imperatrizes e grã-duquesas russas. Os historiadores acreditam que o famoso joalheiro teria sido professor de Pérkhin porque, em 1884, o jovem se casou com a filha de Finikov, Tatiana, de 17 anos.

Oficina de Pérkhin
Domínio público

No mesmo ano, Pérkhin começou a trabalhar como aprendiz de ourives no Conselho de Artesanato de São Petersburgo e recebeu o título de mestre ourives. Esse título era concedido após um exame; o candidato deveria ter uma residência separada e pelo menos um aprendiz. Henrik Wigström, um finlandês de origem sueca e filho de pescador, tornou-se aprendiz de Pérkhin e seu principal assistente nos anos seguintes.

Já em 1886, Pérkhin ingressou na empresa de Carl Fabergé e virou seu principal joalheiro. Sob o patrocínio do chefe, dois anos depois, recebeu permissão do prefeito de São Petersburgo para abrir sua própria oficina, que ficava em um apartamento na Bolshaya Morskaya — uma famosa rua de joalheiros desde meados do século 18.

A empresa de Fabergé gozava de prestígio da família imperial russa. Em 1885, Carl Fabergé recebeu o título de “Fornecedor da Corte de Sua Majestade Imperial” e, assim, a permissão para imprimir o brasão do Império Russo em seus logotipos.

Ovo “Kremlin de Moscou”, 1906
Museus do Kremlin de Moscou

O próprio Carl atuou como gerente, contratando artesãos e artistas qualificados, e foi capaz de reconhecer talentos até mesmo em artesãos iniciantes. Cada um dos mestres fez sua própria contribuição para o desenvolvimento da marca e se inspirou em suas tendências favoritas: Pérkhin, por exemplo, era um gênio dos estilos rococó e barroco, e frequentemente usava elementos do estilo russo em seu trabalho. Ele também fez contribuições significativas para o desenvolvimento da tecnologia do ouro multicolorido e do esmalte guilhoché, que mais tarde foram usados por outros mestres. Assim, quando Carl Fabergé enviou seu filho Aleksandr para a França em 1906 para estudar com o esmaltador Louis Gouillon, o francês ficou surpreso, afirmando que os franceses deveriam aprender com os russos, e não o contrário.

Marca própria

O fluxo de encomendas imperiais e privadas era inesgotável; as mais importantes e tecnicamente complexas eram entregues à oficina de Pérkhin, que assumia as tarefas pessoalmente. A oficina de Pérkhin contava com cerca de 25% de todos os funcionários da filial da Fabergé em São Petersburgo, mas produzia cerca de metade de todas as peças de joalheria da empresa. Durante 15 anos, foram produzidos cerca de 20 mil itens. Ainda hoje, é possível encontrar itens com a marca pessoal de Pérkhin “M.P.” no mercado de antiguidades.

Marca de Pérkhin
Domínio público

Em 1889, Pérkhin criou a caixa de rapé mais cara da história da Casa Imperial Russa: decorada com diamantes e um retrato do imperador Alexandre 3º, ela foi concebida como um presente para o chanceler alemão Otto von Bismarck. Fabergé recebeu mais de 12 mil rublos pela peça.

Ovo “Lírios do Vale”, com retratos de Nicolau 2º e de suas filhas mais velhas, Olga e Tatiana
Museu Fabergé

A marca de Pérkhin também está no produto mais caro da Fabergé (sem contar os preciosos ovos de Páscoa): um relógio de 1891 criado para as bodas de prata do casal imperial. Este relógio e o ovo “Rothschild” (também criado por Pérkhin) foram doados ao Museu Hermitage pelo presidente russo Vladímir Putin.

Ovos de ouro

Quando a empresa se mudou para o seu próprio e novo prédio na Bolshaya Morskaya em 1901, a oficina de Pérkhin, que já contava com mais de 50 funcionários, ocupou o terceiro andar. Um ano antes, na Exposição Universal de Paris em 1900, quando os presentes de Páscoa imperiais foram levados para o exterior pela primeira e única vez antes da revolução, Pérkhin recebeu uma medalha de ouro. Os famosos ovos Fabergé se tornaram a maior conquista do joalheiro da Carélia.

Ovo “Coroação”
Museu Fabergé

Segundo os pesquisadores, Pérkhin criou 28 dos 50 ovos de Páscoa imperiais. Uma das principais obras-primas de Pérkhin é o ovo “Coroação”, criado para a imperatriz Alexandra Feodorovna em 1897. As cores do esmalte, divergindo na forma de raios de sol, foram selecionadas de acordo com o traje de coroação do imperador Nicolau 2º, e acima dele há uma treliça de fitas de louros com águias de duas cabeças. Uma pequena carruagem de Catarina 2ª, a Grande, está escondida dentro do ovo.

Ovo “Em Memória de Azov”
Serguêi Subbótin / Sputnik

Entre outros ovos de Páscoa famosos estão o ovo “Em Memória de Azov”, com um navio em miniatura no qual o príncipe Nicolau fez sua viagem ao Oriente; “Expresso Transiberiano”, com um trem em miniatura; “Gatchina”, com o palácio favorito da imperatriz Maria Feodorovna; o “Pelicano”, com uma lista de atos de caridade da imperatriz Maria Feodorovna; “Lírios do Vale”, com retratos do último imperador russo Nicolau 2º e de suas filhas mais velhas, Olga e Tatiana.

Pérkhin também começou a criar o ovo “Kremlin de Moscou”, que hoje pode ser encontrado na Câmara de Arsenal, mas acabou sendo finalizado por seu pupilo Henrik Wigström devido à morte repentina do mestre.

Ovo de Páscoa “Galinha”
Museu Fabergé

Em decorrência do trabalho constante e excessivo, o mestre ficou gravemente doente aos 43 anos e morreu de tabes dorsalis (uma forma de neurossífilis) em agosto de 1903. De acordo com o testamento, a oficina passou para o seu fiel pupilo Henrik Wigström, que, após a morte de Pérkhin, tornou-se o novo mestre principal da Fabergé e o principal especialista na fabricação de ovos de Páscoa para a corte imperial russa.

Esta reportagem é uma versão abreviada de um artigo originalmente publicado em russo na revista “Rússki Mir”.