
A luta dos russos contra o Império Romano do Oriente

“Esta tribo bárbara sempre teve um ódio feroz à hegemonia dos romanos. Em todas as oportunidades, inventando ocasiões, eles criaram pretexto para a guerra conosco”, escreveu o escritor bizantino Michael Psellos sobre o exército da Rus antiga, que por vários séculos atormentou, com inúmeras invasões, o Império Romano do Oriente (também chamado de Império Bizantino).

Os governantes da Rus de Kiev eram atraídos pelo luxo e riquezas da distante capital dos romanos, Constantinopla, que eles chamavam de Tsargrad ("Cidade-rei", em russo). No entanto, os príncipes não se limitaram a ataques predatórios e, de tempos em tempos, entravam em lutas ferozes com os imperadores bizantinos pela influência na região do Mar Negro.

As campanhas russas contra Bizâncio começaram na primeira metade do século 9. Os príncipes russos tentaram atacar no momento mais inconveniente para o império, quando o exército e a marinha dele estavam em longos conflitos na Ásia ou nos Bálcãs. Eles reuniram forças impressionantes para esses ataques. No manuscrito “Crônica dos Anos Passados", criado em Kiev no século 12, está escrito que o príncipe Oleg, um dos primeiros governadores russos, reuniu enormes forças para atacar Bizâncio em 907. “Ele levou consigo muitos varegues, eslavos, chuds, krivichs, merianos, polanos, severianos, drevlianos, radimiches, croatas, dulebes, tivertsi [...] E com todos eles Oleg partiu, levando cavalos e navios. Havia dois mil navios”, lê-se no manuscrito.

No entanto, mesmo para um exército enorme, tomar Constantinopla com suas altas e poderosas muralhas era uma tarefa muito difícil. Compreendendo perfeitamente as perspectivas de um cerco, os russos preferiam saquear e queimar os arredores da capital romana. Assim está descrita, na “Crônica dos Anos Passados", a campanha do príncipe Igor contra Constantinopla, em 941: “Os que foram capturados, foram crucificados ou mortos com flechas, como se fossem alvos de tiro; outros, com as mãos amarradas atrás das costas, morreram com pregos de ferro enfiados em suas cabeças. Muitas das sagradas igrejas foram incendiadas [...] Capturaram muita riqueza".

Às vezes, não tendo forças para resistir aos "citas selvagens", os bizantinos preferiam suborná-los. O príncipe Oleg conseguiu o pagamento de tributos e a concessão de privilégios comerciais para os mercadores russos por uma mera demonstração de sua força. Após o término das negociações, o príncipe russo pregou um escudo nos portões da cidade como sinal da vitória.

Apesar de um início bem-sucedido, a campanha do príncipe Igor em 941 contra o Império Bizantino terminou em completo fracasso e, três anos depois, o governante de Kiev começou a preparar uma nova expedição em grande escala. Constantinopla, no entanto, sem esperar a chegada dos soldados da Rus, enviou para lá embaixadores com ofertas de ricos presentes. Por fim, o príncipe e o esquadrão decidiram cancelar a campanha militar: “Sem luta, levaremos ouro, prata e tecidos preciosos", lê-se na crônica.

Mas nem sempre a guerra se limitou a campanhas predatórias. Entre os anos de 968 e 971, a Rus de Kiev e o Império Bizantino travaram uma guerra em larga escala pelo reino búlgaro, que ambos os países consideravam ser esfera de seus interesses. O príncipe russo Sviatoslav conquistou dezenas de cidades búlgaras. “Dizem que, depois de tomar a cidade de Filipópolis de maneira cruel e desumana, matou 20 mil prisioneiros por empalamento e, assim, assustou e submeteu os outros", lê-se na crônica do escritor bizantino Leão, o Diácono. No entanto, mais tarde, a sorte militar traiu o príncipe russo, e ele foi forçado a fazer as pazes com o império, abandonando todas as suas conquistas.

Durante o reinado do príncipe Vladimir, filho de Sviatoslav, iniciou-se uma reaproximação ativa dos dois países. Vladimir se casou com a irmã de Basílio 2°, Anna, apoiou o Império Bizantino na luta contra o comandante rebelde Barda Foka e iniciou o processo de cristianização da Rus de acordo com o rito bizantino, que permitiu aos Patriarcas de Constantinopla estender sua influência sobre a Rus.

A união espiritual, porém, não permitiu acabar com a rivalidade política. Assim, em 1043, o filho do príncipe de Iaroslav, Vladimir, começou uma nova campanha militar contra Bizâncio, cujo motivo foi o assassinato de um comerciante russo em Constantinopla. As desculpas do imperador foram ignoradas. A campanha terminou em completo desastre: durante a batalha naval perto da capital romana, toda a frota russa foi destruída e os 800 soldados capturados foram cegados pelos romanos.

Em 1116, o príncipe Vladimir Monomakh de Kiev reconheceu os direitos de um impostor que dizia ser Leão, o filho do falecido Imperador Bizantino Romano Diógenes, sobre o trono bizantino. Monomakh deu um exército ao falso Diógenes e o enviou para lutar contra as tropas do Imperador Aleixo Comneno.

O Imperador Bizantino ficou muito preocupado com essa invasão. Ele enviou dois assassinos, que realizaram com êxito a tarefa de matar o impostor. Logo o exército russo deixaria as fronteiras de Bizâncio. Assim terminou o último grande conflito armado entre a Rus e o Império Bizantino. Em meados do século 12, começou o processo de desintegração da Rus de Kiev em principados separados, que não sonhavam mais com campanhas militares contra a distante "Cidade-rei".

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