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O que há dentro do Museu da Morte na Sibéria? (FOTOS)
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O fato de nossa permanência neste mundo ser temporária não é algo de que queremos ser lembrados com frequência, e a ideia de transformar itens de luto em exposições de museu geralmente causa estranhamento. Ainda mais quando o único Museu da Cultura Funerária Mundial da Rússia, nos arredores de Novosibirsk, é destaque dos guias da cidade siberiana.
Para começar, o museu é laranja
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O Museu da Morte está localizado ao lado de um crematório a cerca de uma hora de carro do centro de Novosibirsk. A primeira coisa que se nota já de longe é que ambos os prédios são laranja. Essa cor alegre foi escolhida pelo fundador de ambas as instituições – tanto o museu quanto o crematório –, o empresário local Serguêi Iakuchin.
Seu interesse pela esfera ritualística surgiu de circunstâncias pessoais – na década de 1990, foi diagnosticado com câncer e, para superar seus medos, começou a colecionar itens da cultura do luto em diferentes nações. Organizou então uma exposição fúnebre internacional em 1992, abriu o primeiro crematório da cidade em 2003, e o Museu da Morte, em 2012.
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“A princípio, não acreditei que o museu fosse do interesse de ninguém”, diz Tatiana Iakuchina, esposa do filho de Serguêi e atual diretora do museu. “Quando abrimos, sentava aqui sozinha e, se três pessoas viessem nos ver em um dia, era um grande sucesso.”
Atualmente, é um dos museus mais populares da cidade. “Claro que o tema da morte é um tabu, ninguém quer pensar em coisas assustadoras, mas, na verdade, é o único acontecimento garantido na vida de todos. Todo o resto pode não acontecer”, diz Tatiana. “As pessoas podem vir até nós com seus medos, perguntas, histórias e conversas.”
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Em 2013, Iakuchin elaborou um programa para seu funeral em seu próprio crematório. “Tudo foi previamente especificado, desde o percurso da procissão e o tipo de caixão feito na oficina até algumas canções que tocaram no funeral. E um de seus desejos era que o cortejo percorresse as principais ruas de Novosibirsk, sua cidade natal e preferida”, conta Tatiana.
Iakuchin morreu em 2022, mas deixou um grande legado – cerca de 30 mil peças de exposição relacionadas às tradições funerárias. Elas estão distribuídas em três pavilhões separados, que podem levar – literalmente – horas para os visitantes observarem.
Um funeral como a última celebração da vida
“Apresentamos às pessoas a história da cultura funerária, para que possam ver as experiências do passado”, diz a diretora de arte e guia turística Inna Isaeva enquanto caminha para o ‘Quarto da Lamentação’, onde um manequim representa uma mulher do final do século 19 em luto. “Não assustamos ninguém com a morte, o museu é sobre a vida.”
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A primeira e maior sala é dedicada à cultura da lembrança na Inglaterra vitoriana, quando a sociedade secular tinha um protocolo que regia o comportamento após um funeral e o momento do luto. “Naquela época, acreditava-se que os funerais eram a última celebração da vida de uma pessoa e os ricos não economizavam na organização do evento”, diz.
Nesta sala ficam gravuras antigas, vestidos de luto, bijuterias e medalhões com mechas de cabelo de falecidos, bem como diferentes tipos de urnas funerárias.
A segunda sala apresenta funerais em diferentes culturas e religiões: judaísmo, islamismo, budismo, catolicismo e ortodoxia. “E, claro, o funeral soviético. Havia uma réplica de um Lênin embalsamado, assim como no Mausoléu, caixões soviéticos forrados de veludo, simbolizando o fogo da revolução – porque o homem soviético tinha que não apenas viver, mas também morrer de uma nova maneira”, explica Inna.
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A terceira sala traz uma exposição dedicada ao 10º aniversário do museu, desde as primeiras exposições até mostras temáticas sobre o acidente de Chernobyl.
Ao visitar as diferentes salas, o visitante vai se acostumando com os esqueletos (que não são reais), sarcófagos, vestes de luto e até fotos assustadoras.
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Além do acervo de Iakuchin, há itens – principalmente, documentos – doados por outras pessoas e outros museus. Por exemplo, o espaço exibe hoje a réplica de um caixão reutilizável com fundo reclinável do Museu Funerário de Viena [Bestattungsmuseum].
Os guias turísticos “nunca têm pesadelos”
“As pessoas costumam nos perguntar: Você não fica com medo? Nós não ficamos com medo”, brinca a guia turística Evguênia Iudina. “Assustador é ficar parada em um ponto de ônibus tarde da noite na cidade. Mas nosso museu é sobre cultura, sobre ciência.”
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Evguênia é filóloga e costumava dar aulas na escola. “Minha família foi uma das primeiras residentes de Novosibirsk a recorrer à cremação em 2003”, conta. “E aconteceu que fui cliente deste crematório mais de uma vez. Depois conheci a Tatiana, ficamos amigas e ela me ofereceu um emprego no museu.”
Há dois anos que Evguênia trabalha como guia e acredita ser esse o seu destino.
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Inna, por sua vez, migrou do teatro dramático para o Museu da Morte. Nunca tinha visitado o museu antes, havia visto o fundador do museu apenas no funeral, mas ficou fascinada com o gosto artístico de sua coleção.
“Trato esse assunto do ponto de vista de um pesquisador”, diz. “Não tenho pesadelos, há uma grande distância entre este objeto e eu, entendo que isso acontecerá com todos, mais cedo ou mais tarde, e essa distância me ajuda em primeiro lugar a me manter segura e em segundo lugar a ver muitas coisas novas, mas sem mergulhar de cabeça nelas.”
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Segundo a equipe do museu, a ideia é entender que a morte faz parte da vida e, por isso, deve-se tratá-la com respeito. Mas não flertar com ela.
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“Não vou dizer que não penso na morte, às vezes penso”, diz Inna.
“Mas tento focar na minha vida, no que está ao meu alcance e no meu propósito. Trabalhando aqui, você vê a fragilidade da vida. Todos nós iremos embora um dia, a única questão é o que vamos deixar para trás e como seremos lembrados.”
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