Aleksandr Radischev, o primeiro escritor russo condenado à morte por escrever a verdade

Janela para a Rússia (Foto: Pável Balabanov/Sputnik; Recraft)
Janela para a Rússia (Foto: Pável Balabanov/Sputnik; Recraft)
Muito antes de Dostoiévski, Púchkin ou Tolstói enfrentarem a censura, foi Aleksandr Radischev quem inaugurou o conflito entre escritores e o Estado russo. Ele acreditava que a literatura era capaz de provocar mudanças reais e quase pagou com a vida pela coragem de escrever sobre injustiça social, servidão e abuso de poder na Rússia imperial.

Atualmente, Aleksandr Radischev (1749-1802) é lembrado como uma das figuras fundamentais do pensamento social russo do século 18. O escritor nasceu em 1749, em uma família nobre da província de Kaluga. Seu pai, o grande proprietário de terras Afanási Radischev, ocupava cargos no serviço estatal e dominava latim, polonês, francês e alemão. Desde cedo, Aleksandr recebeu educação domiciliar, estudando línguas estrangeiras e disciplinas clássicas sob orientação de tutores estrangeiros.

Tudo parecia caminhar da melhor forma: depois de terminar a Escola Militar Imperial para Nobres, o jovem Aleksandr foi incluído na lista dos estudantes que, por ordem da imperatriz Catarina 2ª, a Grande, foram enviados para estudar na Universidade de Leipzig, na Alemanha. Lá, ele passou cinco anos aprendendo latim, francês, alemão, inglês e italiano, além de estudar filosofia, história e direito.

Sputnik Escritor Aleksandr Radischev (1749-1802). Reprodução de gravura de Francesco Vendramini (1780-1856); o original encontra-se no Museu Histórico do Estado
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Ao retornar à Rússia, trabalhou como auditor na sede do governador-geral de São Petersburgo, Jacob Bruce, e chegou a ocupar o cargo de chefe da alfândega municipal. Radischev dedicava seu tempo livre à escrita: escrevia prosa e poesia, e traduzia obras estrangeiras. Também acompanhava com atenção os acontecimentos no exterior, inclusive a Revolução Americana, que o inspirou na sua famosa ode “Liberdade”. A partir de 1771, passou a reunir observações sobre a vida na Rússia e, a partir desses fragmentos dispersos, nasceu o seu livro mais famoso, “Viagem de São Petersburgo a Moscou”.

Um rebelde pior que Pugatchov”

Foi assim que Catarina 2ª se expressou, indignada com o lançamento do livro de Radischev. O autor explicou, mais tarde, que sua intenção foi apenas chamar a atenção dos latifundiários para a situação dos camponeses. Usando como modelo a obra “Viagem Sentimental pela França e Itália”, de Laurence Sterne, Aleksandr escreveu 25 capítulos — um para cada parada entre as duas capitais russas. Neles, ele descreve a corrupção dos funcionários públicos, o tratamento cruel dado aos camponeses pelos proprietários de terras, e os comerciantes espertos prontos para enganar qualquer um.

Por mero acaso, o livro passou batido pela censura, o ober-polícia-mestre (chefe da polícia municipal na Rússia pré-revolucionária, responsável pela ordem pública) Riléiev não o leu com atenção, limitou-se aos títulos dos capítulos e decidiu que se tratava de um guia. “Viagem de São Petersburgo a Moscou” foi publicado anonimamente em 1790, embora pela gráfica de Radischev, com uma tiragem de 650 exemplares. Um deles chegou às mãos de Gavriil Derjávin, famoso poeta e alto funcionário do Império, que o ofereceu a imperatriz Catarina 2ª.

V. Chianovski / Sputnik Reprodução da página inicial do livro “Viagem de São Petersburgo a Moscou”, de Radischev, publicado em 1790
V. Chianovski / Sputnik

Bastou a epígrafe para irritar a imperatriz: “Monstro gordo, de cem olhos e ladrando”, mas ela leu o livro inteiro e concluiu que era nada mais do que um apoio às ideias da Revolução Francesa. O autor foi detido, enviado à prisão e acusado de preencher seu livro com conteúdo prejudicial, perturbar a paz pública, minar o respeito pelas autoridades e insultar o poder real. O tribunal o destituiu de todos os seus títulos e condecorações, bem como de seu título de nobreza, ordenou a destruição de seus livros e condenou Radischev à morte. O escritor passou mais de um mês aguardando a execução. Porém, Catarina 2ª decidiu comutar a sentença e permitiu que a pena de morte fosse trocada por dez anos de exílio em uma prisão na Sibéria, observando que o autor teria, assim, tempo “para lamentar o destino miserável do campesinato”.

Retorno a São Petersburgo e morte estranha

Seis anos depois, com a morte da Catarina 2ª, o novo imperador Paulo 1º autorizou o retorno de Radischev à sua propriedade. Tempos depois, ele foi restaurado à nobreza e até mesmo recebeu um cargo na Comissão de Redação de Leis. Em 1802, Aleksandr Radischev faleceu em circunstâncias não muito claras. Nos documentos oficiais consta que o escritor morreu de tuberculose. Há, porém, a versão de que, durante um surto mental, ele teria bebido um copo de “vodca real”, isto é, uma solução de ácidos nítrico e clorídrico usada para limpar dragonas e botões de uniformes.

Mikhail Ozerski / Sputnik Pintura “Aleksandr Nikolaevitch Radischev”, de Vladimir Nikolaevitch Gavrilov, 1950
Mikhail Ozerski / Sputnik

A maior parte da tiragem do livro proibido foi destruída, mas o texto foi copiado e passado de mão em mão. “Viagem de São Petersburgo a Moscou” foi, enfim, publicado em edição limitada em 1888, mas o preço de 25 rublos era praticamente proibitivo. Somente após a Revolução de 1905 o veto à publicação da obra de Radischev foi totalmente suspenso.

Mikhail Mineiev / TASS Torres do Palácio Ilimski Ostrog (Irkutsk), onde Radischev foi exilado entre 1792 e 1796. A data exata da fotografia é desconhecida
Mikhail Mineiev / TASS

Hoje em dia, Radischev continua sendo uma referência central na reflexão sobre justiça social e liberdade na Rússia. A sua obra influenciou gerações de escritores e pensadores russos e ainda é objeto de estudo e debate em escolas e universidades.

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