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Como os bolcheviques tentaram destruir a Igreja Ortodoxa Russa
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"A religião é o ópio do povo" é uma variação da famosa frase de Karl Marx, teórico político que desenvolveu os princípios do comunismo.
Logo após a Revolução de 1917, os bolcheviques, ainda sem realmente estabelecer o poder em todo o país, começaram a reprimir tudo o que pertencia ao "antigo regime" do Império Russo. O novo governo considerava o sacerdócio e as tradições da Igreja Ortodoxa como parte integrante do antigo modelo de estrutura estatal e do sistema de valores obsoleto. Os bolcheviques queriam destruir a velha dependência religiosa da população para criar uma nova, a fé no comunismo e em seus líderes.
"Ópio do povo"
A Igreja sempre foi um elemento muito importante da vida na Rússia pré-revolucionária. Estava encarregada de estatísticas de nascimentos e mortes, de casamentos e da moralidade dos paroquianos. Na prática, não era apenas um elemento da vida espiritual, mas desempenhava o papel de uma organização burocrática integrante do sistema estatal.
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No início do século 20, cerca 85% dos camponeses eram analfabetos, e a Igreja permanecia sendo a única fonte de informações sobre o mundo para quase todo o campesinato russo.
Os padres explicavam a Bíblia, sua conexão com a vida real, e que a monarquia era uma forma de existência das pessoas estabelecida por Deus e que todos deveriam saber seu lugar e não procurar mudá-lo. Os bolcheviques detestavam especialmente a ideia dos ortodoxos de recompensa no "outro mundo" pelo sofrimento e a necessidade de suportar todas as adversidades. Eles viam essa postura como puro engano, que permitia manter a maioria da população na pobreza, enquanto outros se beneficiavam do trabalho dos pobres e viviam em ociosidade e na riqueza.
A frase de Marx "A religião é o ópio do povo" foi repetida muitas vezes nas obras do líder da revolução russa, Vladímir Lênin, e se tornou um dos principais lemas dos bolcheviques. Lênin escreveu que era precisamente a posição impotente da classe oprimida e sua incapacidade de resistir aos "exploradores" que dava origem à fé em uma vida melhor após a morte. "A religião lhes oferece uma desculpa barata para toda a sua existência de exploração", escreveu Lênin.
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A propaganda bolchevique se tornou uma forma rápida e barata para combater os sacerdotes e padres, chamados pelos comunistas de "pop", uma forma depreciativa de "papa", em russo. Nos pôsteres soviéticos, os clérigos eram retratados como criaturas caricaturais e repugnantes em mantos e de barbas, que apenas enganavam o povo.
Apreensão de bens das igrejas e repressões em massa
Os bolcheviques rapidamente passaram da propaganda à ação. A guerra sangrenta com a Igreja não distinguia quem era um verdadeiro homem justo e mentor espiritual, e quem era um enganador astuto e ritualista. A primeira vítima dos bolcheviques foi o padre da Catedral de Catarina em Tsarskóie Selô, Ivan Kotchurov, que foi morto em 1917 pelos soldados do Exército Vermelho ao invadirem a antiga residência real.
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Em 1918, o novo governo emitiu um decreto "Sobre a separação da Igreja do Estado e sobre a separação da escola da Igreja". As terras da Igreja foram nacionalizadas, e ela foi privada do direito de registrar casamentos ou relações familiares. Entre 1918 e 1920, os bolcheviques lançaram uma campanha antirreligiosa e iniciaram aberturas dos santuários com as relíquias de santos russos para dissipar o mito de sua incorruptibilidade. Isso deveria ajudar a se livrar do culto de veneração.
As fotografias dos santuários abertos foram usadas ativamente pela propaganda soviética.
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Em 1922, os bolcheviques iniciaram uma campanha para confiscar objetos de valor da Igreja sob o pretexto de combater a fome em massa e restaurar a economia destruída após a Guerra Civil. Objetos feitos de metais preciosos, molduras de ícones, cruzes e outros itens de ouro, prata ou com pedras preciosas foram confiscados e enviados para um depósito estatal especial. A maior parte desse itens foram posteriormente vendidos para os países ocidentais.
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Os padres resistiram ativamente ao saque das igrejas, acabaram presos pela polícia secreta, acusados de atividades contrarrevolucionárias e propaganda antissoviética, torturados e submetidos a repressões. Mais de mil padres foram alvos de batidas da polícia secreta no início da década de 1920, incluindo importantes bispos de Moscou e Petrogrado (atual São Petersburgo).
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Um dos casos mais famosos ocorreu na cidade de Chuia, na região de Ivanovo. Os paroquianos da Catedral da Ressurreição impediram a apreensão de objetos de valor da igreja e, em seguida, os soldados do Exército Vermelho abriram fogo contra a multidão de fiéis. Várias pessoas foram mortas, e os padres locais, posteriormente julgados e fuzilados.
Cisma da igreja
Diversos clérigos emigraram após a revolução, mas a maioria permaneceu na Rússia e continuou a realizar missas. Na véspera da revolução, no verão de 1917, um grande conselho eclesiástico se reuniu em Moscou, restaurando o Patriarcado que havia sido abolido pelo imperador Pedro, o Grande. O patriarca eleito, Tikhon, muito popular entre os russos, condenou todas as pessoas que estavam derramando sangue e pediu que parassem a guerra.
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Em 1922, Tikhon foi preso, mas por pouco tempo. Em seu nome foi publicada uma confissão em seu nome alegando que ele estava sob a influência perniciosa de indivíduos antissoviéticos e que "de agora em diante ele não é um inimigo do poder soviético". Para acabar com a hierarquia da Igreja, os bolcheviques iniciaram uma divisão na ortodoxia russa. Muitos padres “renovacionistas” leais aos bolcheviques se opuseram ao patriarca e, assim, ele foi removido do cargo, decapitando a Igreja.
Fechamento e demolição de igrejas
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Após a morte de Lênin, uma luta ativa pelo poder começou no partido, e as repressões contra a Igreja foram interrompidas. No entanto, já em 1928, foram tomadas medidas “para intensificar a luta antirreligiosa”, que era equiparada a uma luta de classes. Começou então a demolição maciça de igrejas, que prosseguiu ao longo da década de 1930. Como resultado, no final da URSS, das 54.000 igrejas pré-revolucionárias, restavam apenas cerca de 7.000.
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Algumas igrejas, como, por exemplo, a Catedral de Cristo Salvador, no centro de Moscou, foram restauradas. No entanto, muitas foram perdidas para sempre. Os bolcheviques também queriam demolir a Catedral de São Basílio na Praça Vermelha, conhecida como um dos símbolos da Rússia, mas as elites culturais conseguiram salvar a catedral abrindo um museu em seu interior. Existe, porém, outra versão do motivo pelo qual a catedral sobreviveu: o aliado de Stálin, Lazar Kaganovitch, teria ap apresentado ao líder soviético o projeto de reconstrução da Praça Vermelha, removendo a figura da catedral. E Stálin teria gritado: "Lazar, ponha-a de volta!".
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Os bolcheviques demoliram sem hesitação todas as igrejas antigas que impediam a construção de usinas hidrelétricas, novas ruas ou estradas. Muitas igrejas foram fechadas e usadas para as necessidades do novo país dos soviéticos, por exemplo, para armazenar grãos ou estabelecer uma fábrica. Muitos mosteiros foram transformados em prisões. A Catedral de Kazan, em São Petersburgo, por exemplo, foi convertida no Museu da História da Religião e do Ateísmo para zombar dos fiéis.
Nova onda de repressões
No final da década de 1930, começou o Grande Expurgo, ou seja, repressões em massa, de Stálin. Os clérigos restantes não conseguiram escapar, eles foram presos nas igrejas e acusados da "agitação antissoviética". Muitos padres e bispos ortodoxos cumpriram suas sentenças nas prisões e no exílio, bem como em trabalhos forçados no Gulag. Muitos morreram ou foram fuzilados.
Em 1937 e 1938, cerca de 20 mil pessoas foram fuziladas no campo de treinamento de Bútovo, perto de Moscou, entre eles cerca de mil representantes do clero de diferentes religiões. O Patriarca Alexy II, na década de 1990, chamou as valas comuns deste lugar de "Gólgota russo" e declarou que todas essas pessoas foram reprimidas extrajudicialmente, pelo veredito da polícia secreta soviética. Após o colapso da URSS, 321 padres fuzilados foram canonizados como "Novos Mártires de Bútovo".
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No total, foram canonizados mais de 1.700 novos mártires e confessores da Igreja Russa, perseguidos após a revolução de 1917. De acordo com diferentes estimativas, até 100 mil pessoas foram vítimas das repressões contra a Igreja Ortodoxa na URSS.
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