Casa Pushkin: o lugar onde vive a literatura russa
Temperatura constante em 18 graus Celsius, 55% de umidade no ar, salas sem janelas para evitar a entrada de luz do sol, capas feitas de papelão com pH neutro: nessas condições especiais são preservados os maiores tesouros literários da Rússia. Ao longo dos 120 anos de existência, o Instituto da Literatura Russa, também chamado da Casa Pushkin, reuniu uma coleção superior a 700 mil manuscritos originais de mais de 950 escritores, críticos, acadêmicos literários, além de arquivos de revistas dos séculos 19 e 20, coleções de autógrafos e materiais de arquivo de artistas, músicos, atores, professores e clérigos.
“A principal tarefa da Casa Pushkin é coletar, armazenar, estudar e publicar monumentos da literatura russa, desde suas formas orais, folclore e literatura russa antiga até as obras modernas”, diz a secretária científica do departamento de manuscritos, Liubov Geráchko. “A Casa Pushkin ganhou reconhecimento pela publicação de coleções acadêmicas completas de obras de escritores clássicos russos, entre eles, Púchkin, Lérmontov, Gógol, Gontcharov, Dostoiévski, Nekrasov, Turguêniev e outros”, acrescenta. Essas coleções podem ser encontradas no site do instituto.
Por que Casa Pushkin?
O Instituto de Literatura Russa da Academia Russa de Ciências é conhecido como a Casa Pushkin porque sua história começou com o legado do maior poeta russo, Aleksandr Púchkin (grafado como Alexander Pushkin em inglês). Em 1899, uma exposição dedicada ao 100º aniversário do nascimento de Púchkin foi inaugurada no prédio da Academia Russa de Ciências em São Petersburgo. A mostra reuniu autógrafos e manuscritos originais do escritor. Seis anos depois, a Academia de Ciências decidiu criar a Casa Pushkin, onde o legado do poeta seria coletado e armazenado.
Embora menos conhecido no exterior, Púchkin é considerado na Rússia o autor mais importante da história da literatura. Não apenas porque escreveu centenas de poemas e obras em prosa excepcionais, mas também porque foi ele quem essencialmente criou a língua literária russa moderna, combinando com maestria o estilo coloquial com a polidez formal.
Em 1906, a Casa Pushkin recebeu seu primeiro arquivo – a biblioteca pessoal de Púchkin, com 3.500 volumes, comprada do neto do poeta com verba do Estado.
No início do século 20, os manuscritos originais de Púchkin estavam espalhados por museus, bibliotecas e coleções privadas. Aos poucos, a Casa Pushkin recolheu os materiais relacionados ao poeta e os salvou durante a Guerra Civil russa.
Hoje, 98% de todos os manuscritos conhecidos de Púchkin, ou seja, 14.500 páginas, são mantidos na Casa Pushkin. Rascunhos e manuscritos finais de poemas e obras em prosa, cartas, diários, desenhos são exibidos apenas em casos excepcionais, e somente pesquisadores profissionais e estudiosos textuais podem ter acesso a eles. O público só pode ver cópias dos manuscritos.
Outras coleções
Após a Revolução de 1917, o instituto começou a se encher rapidamente de arquivos de museus e instituições fechadas, manuscritos e relíquias de famílias que fugiram do regime soviético.
Os funcionários da Casa Pushkin foram enviados em viagens de negócios para as províncias, onde criações inestimáveis da cultura nacional, concentradas sobretudo em propriedades nobres abandonadas, corriam risco de serem perdidas.
Além disso, o instituto recebeu manuscritos de Velhos Crentes encontrados no norte da Rússia. Entre eles, por exemplo, está uma coleção única de manuscritos do ancião Epifânio e do arcebispo Avvakum, que pode ser considerado o primeiro escritor russo.
Um dos orgulhos da Casa Pushkin é o seu arquivo de fonogramas, que contém dezenas de milhares de gravações sonoras feitas durante expedições folclóricas e linguísticas por cientistas russos desde a década de 1890.
De 1927 em diante, o instituto passou a ocupar o prédio do antigo Escritório de Alfândega Marítima de São Petersburgo. Inicialmente, o acervo de livros ficava em uma sala segura, com paredes de 1,5 metro de espessura, portas de ferro e persianas com travas. Em 1999, no 200º aniversário de Púchkin, um edifício separado foi construído especificamente para os manuscritos.
No primeiro andar, há uma biblioteca exclusiva, que contém livros de coleções pessoais de escritores, cientistas e bibliófilos famosos. No segundo andar encontra-se o Museu Literário, que reúne pertences pessoais, retratos e itens associados aos escritores russos.
Originais e falsificações
A equipe da Casa Pushkin não apenas monitora a segurança dos manuscritos, mas também estuda detalhadamente tudo relacionado a obras literárias e biografias de escritores. Os pesquisadores analisam os manuscritos originais e reconstroem a história das obras. Ao comparar a cor da tinta, eles podem até determinar quando uma frase específica foi escrita.
Ainda assim, na história da Casa Pushkin houve casos em que falsificações habilidosas forma apresentadas como genuínas, chegando a enganar os especialistas experientes.
Um dos curadores da Coleção de Manuscritos Pushkin, Vladímir Turtchanenko, observa que é importante distinguir uma falsificação de uma atribuição incorreta, já que esta última pode levar a conclusões errôneas. Turtchanenko relembra o caso de uma carta em francês assinada “Pushkin”. “Alguns estudiosos [...] haviam chegado à conclusão de que esta era a assinatura de Púchkin. Assim, a carta foi comprada e colocada em uma coleção”, recorda.
Mais tarde, o primeiro acadêmico do fundo, Lev Modzalévski, provou que a carta não pertencia ao poeta, mas ao conde Musin-Púchkin-Brius, um maçom e diplomata.
Em outro episódio, ocorrido em meados do século passado, a instituição adquiriu do aposentado moscovita Antonin Rámenski um volume de “Ivanhoé”, um romance histórico do escritor escocês Walter Scott, com notas supostamente feitas por Púchkin, incluindo uma dedicatória e desenhos.
Vários especialistas respeitados confirmaram a autenticidade da descoberta, e por quase trinta anos o livro foi mantido na coleção. No entanto, a farsa acabou sendo exposta por Tatiana Krasnoborodko, atual curadora científica da fundação.
Outra parte do trabalho é compilar comentários textuais e histórico-literários sobre textos. Devido ao tamanho da coleção, a tarefa continua ainda hoje e permite encontrar alusões e significados até então desconhecidos nos textos dos clássicos.
Com isso, a Casa Pushkin pretende ser não apenas um arquivo, mas um lugar que preserva o coração e a história da literatura russa para novas gerações de pesquisadores e leitores.