5 motivos para ler os poemas de Púchkin em russo

Janela para a Rússia (Foto: Legion Media)
Janela para a Rússia (Foto: Legion Media)
Dostoiévski, Tolstói e Tchékhov são famosos no mundo todo, enquanto Aleksandr Púchkin é, na melhor das hipóteses, conhecido por um pequeno círculo de amantes da ópera baseada em seus libretos ou estudiosos da eslavística. O fato de suas obras terem sido traduzidas para idiomas estrangeiros há mais de 200 anos não carrega tanto impacto — até hoje, ninguém conseguiu vertê-las para outro idioma sem que perdessem sua essência e brilho. Qual é o segredo da intraduzibilidade do maior gênio literário russo?

As primeiras traduções das obras do maior poeta russo de todos os tempos, Aleksandr Púchkin, apareceram quando ele ainda estava vivo. A primeira foi feita em 1823, para o francês. Posteriormente, Prosper Mérimée e Ivan Turguêniev, em parceria com Louis Viardot, depois Alexandre Dumas (pai) e outros escritores renomados, contribuíram com traduções da poesia e prosa de Púchkin para a língua de Voltaire e Rousseau.

As primeiras versões em inglês datam de meados do século 19. Hoje, suas obras estão disponíveis nos principais idiomas do mundo — apenas em inglês existem cerca de 40 traduções. Sua obra mais famosa em versos ‘Eugênio Onêguin’ inspirou inúmeras óperas e uma produção cinematográfica anglo-americana estrelada por Ralph Fiennes e Liv Tyler. O livro da francesa Clémentine Beauvais, ‘Songe à la douceur’ (‘Pense em doçura’, em tradução literal), inspirado em ‘Eugênio Onêguin’, levou adolescentes franceses a se interessarem pela obra original. Mesmo assim, Púchkin ainda é considerado um dos autores russos mais difíceis de traduzir e, por isso, subestimados. Mas por que é impossível traduzir as obras de Púchkin?

Idioma

A tradução literária depende de vários fatores, mas o principal é o idioma em si — sua estrutura, organização e regras gramaticais. O russo é uma língua sintética e flexiva, ou seja, as terminações das palavras têm grande importância, enquanto a ordem das palavras é relativamente livre, o que oferece grande liberdade estilística. Já o inglês, por exemplo, é uma língua analítica, onde a ordem das palavras determina o sentido da frase, enquanto as terminações das palavras têm papel muito modesto. Assim, é possível expressar a mesma ideia em outra língua, mas sua forma será, inevitavelmente, outra.

Legion Media ‘O canto do sábio Oleg’, de Púchkin, em russo. Coleção particular, 1899
Legion Media

Por esse motivo, muitos poemas de Púchkin foram traduzidos em prosa. Assim, os tradutores deixam claro que optaram por não buscar equivalência formal poética, concentrando-se exclusivamente no conteúdo.

Poesia

“É impossível traduzir poesia. Toda vez é uma exceção”, escreveu Samuil Marshak, poeta e tradutor de Shakespeare para o russo. Vale lembrar também as palavras do britânico Samuel Coleridge: “Poesia é a melhor escolha de palavras, na melhor ordem possível”. Assim, traduzir poesia é uma tarefa tripla: encontrar palavras precisas para transmitir a ideia do autor, organizá-las na métrica poética correta, na “melhor ordem”, e considerar as diferentes tradições e cargas culturais dos gêneros e formas poéticas em cada idioma. Gêneros como ode, elegia ou coroa de sonetos são reconhecidos em várias culturas europeias, mas formas menos tradicionais exigem sensibilidade e criatividade ainda maiores do tradutor. Diante dessa complexidade, muitos tradutores preferem não tentar verter os poemas de forma literal e recorrem à prosa.

Realidades culturais

Traduzir nomes de pratos, bebidas, objetos cotidianos ou conceitos culturais é especialmente difícil na poesia.

Sarik Andreasyan/Andreasyan Brothers' Film Company, 2024 Cena do filme ‘Paixão Proibida’, baseado em ‘Onêguin’
Sarik Andreasyan/Andreasyan Brothers' Film Company, 2024

“Mas pantalonas, fraque, gilet (colete) / Essas palavras não existem em russo”, desculpava-se Púchkin com seus leitores em um trecho lírico de ‘Eugênio Onêguin’. O famoso tradutor de Púchkin para o inglês Julian Lowenfeld, durante uma visita à Rússia, queixou-se ao de que tinha sérias dificuldades com a tradução do nome da bebida “brusnítchnaia vodá” (“água de arando-vermelho”, em tradução livre), que muitas vezes é traduzida erroneamente como suco de Ale ou mesmo xarope. Outro exemplo foi a palavra “starúchka” (“velhinha”), difícil de expressar com a mesma carga emocional.

Archive Photos / Getty Images O romancista russo-americano Vladímir Nabokov (1899 - 1977) em Montreux, Suíça, por volta de 1965
Archive Photos / Getty Images

Vladímir Nabokov, um dos escritores russos do século 20 mais conhecidos no exterior, jamais encontrou um equivalente satisfatório para a palavra russa “toská” (“saudade”, “melancolia” ou “angústia” seriam as palavras portuguesas com sentidos mais próximos ao termo russo). Segundo Nabokov, os termos ingleses “sadness”, “sorrow” ou “depression” não eram adequados.

Estilo

Se os aspectos anteriores se aplicam a qualquer poeta, este se refere exclusivamente a Púchkin. Seu estilo é tão singular que até sua prosa é mais difícil de traduzir que a de outros autores. O próprio poeta definia sua prosa como “rápida”. Um exemplo clássico é um trecho de ‘A Filha do Capitão’: “Começou a nevar fininho — e logo vieram flocos grandes. O vento uivou, uma nevasca se seguiu. Num instante, o céu escuro se misturou com o mar de neve. Tudo desapareceu.” Neste trecho há poucos adjetivos, porém muitos substantivos e verbos que aceleram a velocidade narrativa.

Especialistas em traduções de Púchkin também destacam a descrição da condessa em ‘A Dama de Espadas’ que “se arrastava pelos bailes, sentada num canto, maquiada e vestida à moda antiga, como um ornamento feio e necessário do salão”. Em russo, Púchkin usou o verbo russo "taskátsia" (“arrastar-se”, em tradução livre), que é bastante expressivo e que diz ao leitor russo sobre o caráter e o estilo de vida da personagem — sendo igualmente difícil e quase impossível de traduzir.

Editora 34, 2018
Editora 34, 2018

Na poesia, Púchkin também é conciso, mas obtém essa velocidade narrativa por meio da precisão e, muitas vezes, do contraste na escolha de estilos, combinando expressões arcaicas com outras cotidianas e românticas.

Maestria

Penguin-Companhia, 2023
Penguin-Companhia, 2023

Acredita-se que a tradução poética só alcança excelência quando feita por outros poetas. Com uma lista tão ilustre de tradutores, seria de esperar que Púchkin tivesse sorte. Nabokov, por exemplo, dedicou quase 15 anos à tradução comentada de ‘Eugênio Onêguin’ em prosa ritmada. A famosa poetisa russa do início do século 20 Marina Tsvetáieva traduziu diversos poemas de Púchkin para o francês. E nem mesmo esses grandes poetas conseguiram preservar plenamente o espírito e a riqueza da obra do maior poeta russo em outras línguas.

Mas será que é realmente tão ruim que, em cada cultura, Púchkin soe de forma diferente?

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